O inescrupuloso Pastor Jaime

No fim dos anos 90, minha família passou a receber ligações numerosas de pessoas que não conhecíamos. Eram ligações insistentes, lacônicas e repetitivas. Ligações irritantes. Em muitos períodos do dia não havia ninguém em casa, e as ligações perdidas se acumulavam. Com poucas variações, elas consistiam do seguinte:

- O senhor (doutor, pastor) Jaime está? Preciso muito falar com ele. É urgente!

Não adiantava pedir àquelas pessoas que verificassem os dígitos corretos do número de telefone com o tal pastor Jaime quando o encontrassem pessoalmente. Continuavam ligando em casa "como se não houvesse amanhã".

- Não somos evangélicos, não frequentamos templos, não temos o contato de pastor nenhum. Pare de ligar aqui! Não sabemos dessa pessoa! Passar bem!

Era o mesmo que não dizer nada. A insistência chegava ao paroxismo. Era insuportável. Os hereges não nos davam folga nem aos finais de semana e nem em feriados. Por vezes, meus pais respondiam com bastante aspereza, de forma a demover os originadores das ligações. Como consequência, continuavam ligando.

Que fique claro que isso não ocorreu por algumas semanas ou, mesmo, por alguns meses. Tal se deu durante alguns ANOS, assim, no plural. Era bizarro. Por sermos uma família de pessoas ocupadas, e também pelo fato da aquisição da linha telefônica ter sido uma conquista custosa, tanto em anos quanto em dinheiro, não cogitamos seriamente a troca do número junto à companhia telefônica.

Enquanto isso, a alternância de títulos do tal Jaime chamava a atenção e nos incutia a percepção de que havia algo errado nessa história. Meu pai, que não tinha os evangélicos em bom conceito mesmo antes dessas perturbações, certa feita, concluiu:

- Esse cara deu um golpe na praça e fugiu. Lesou muita gente, e agora estão à caça dele. E deve ser coisa grande, senão não ficariam por tanto tempo ligando. Sabe-se lá como, o número que passou aos trouxas acabou sendo o nosso. Na hora de contar mais uma mentira, o número que ele bolou foi o nosso. Haja paciência agora...

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Olhando esses episódios com outro olhar, o da fé viva, é possível entender que também isso não se deu conosco por acaso. Não tratou-se de um "azar" ou de uma coincidência. Era a Providência Divina batendo à porta.

Afinal de contas, o chefe da família nasceu no dia de Nossa Senhora do Carmo e recebeu na pia batismal o nome do Apóstolo dos Gentios; a esposa nasceu no dia de Nossa Senhora de Guadalupe; o primogênito recebeu o nome do Arcanjo que é figura marcante do Livro de Tobias e da Padroeira do Brasil e o caçula atende pelo nome daquele que concitou o eunuco ao Santo Batismo (cf. Atos dos Apóstolos).

E Deus deixou que o inimigo nos fustigasse via telefone. Era o número de uma família afastada do arrependimento, da fé viva e da prática da Santa Religião. As línguas bifurcadas dos inimigos da Mulher vibravam do outro lado da linha, em ligações insistentes e sem sentido. Quando pedíamos mais informações do tal pastor, da denominação a que pertenciam e deles próprios, calavam-se. Nunca deram informações de si. Eram ligações não só irritantes, mas também esquisitas.

***

Coloquemo-nos diante de Nosso Senhor. Tiremos um tempo para rezar, para nos pôr diante de Deus e contemplar as lágrimas que Jesus derrama por causa de nossos pecados. Coloque-se você, em primeiro lugar, como membro infiel da Igreja, e veja Cristo, cheio de compaixão e misericórdia, chorando pelo tempo que foi perdido, pelas visitas que foram rejeitadas. E então repita com S. Agostinho: Timeo Deus transeuntem, “Tenho medo do Deus que passa”, et non revertentem, “e não volta mais” (cf. Serm. 88, 14, 13). As visitas de Deus são este momento, são este καιρός. Prestemos atenção a Jesus, que vem até a nossa Jerusalém, que vem visitar-nos no nosso coração: “Eis que estou à porta e bato: se alguém ouvir a minha voz e me abrir a porta, entrarei em sua casa e cearemos, eu com ele e ele comigo” (Ap 3, 20).(*)

Graças a Deus, o Senhor Jesus não desistiu de nós e o grande dia chegou, alguns anos depois, no mesmo dia em que o então Frei Pio de Pietrelcina proferiu os votos solenes como religioso capuchinho. Laus Deo!

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(*) https://shorturl.at/SCzyb

Rafael Digital
Enviado por Rafael Digital em 27/05/2024
Reeditado em 27/05/2024
Código do texto: T8072750
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