Diferenças
Mamãe dizia conhecer ouro de outros tempos. Não era nada que morresse ou matasse em seu vilarejo, lá onde nascera e fora criada. Por lá por suas bandas, onde a vida era outra coisa, essas pedras, que por cá nos levam a assassinar alguém eram apenas pedra dourada, pedra boa para escorar porta ou para outro uso qualquer.
Ela não servia para comprar nada, para pagar nada, não se trocava por nada, não se usava pra fazer anel, não valia tanto, não tinha esse valor todo que tem por aqui, porque não entregava esse valor todo para os moradores dali daquele vilarejo.
Precisavam, dizia ela com muito orgulho, era de água. Água valia muito. Quem tinha um pedaço de terra passando um riachinho que fosse era muito rico. Precisavam de comida, plantada do pé para colher, caçada no mato pra abater e comer. Isso tinha sim muito valor. Aliás, dizia ela, o valor era uma coisa muito clara e muito simples pra eles: era tudo que lhes servia diariamente para continuarem vivos. Nesse caso, até as pessoas, as relações com os vizinhos, amigos e inimigos, tinham muito valor, porque quando alguém perdia sua casa por enchente ou outra tragédia que fosse, todos, até os inimigos, se juntavam para construir a casa todinha de novo.
Então, gente, água, comida, um povo e um teto tinham muito valor. Mas pedra era, em sim, pedra, apenas isso e nada mais. Nunca que os idosos de lá, dizia mamãe escandalizada, iriam entender que um pedaço de pedra amarela teria tanto valor por ser derretida e transformada em joia. Inclusive seria complicado até explicar o conceito de joia, porque dizer que são enfeites que embelezam, pelos quais se mata e morre, não faria sentido para eles, porque seus enfeites eles tiravam da natureza sem precisar matar ninguém e sem explorar a vegetação, replantando tudo, para manter para as próximas gerações. Verdade seja dita, esse conceito de preservar tudo que se tinha à disposição como ato de preservar a vida depois de si, por responsabilidade de quem vive, era inato a que vivia naquela vilazinha.
Às vezes, pegávamos a mamãe chorando, sentindo falta da vida simples que tinha lá, dizia ela. Vida que não voltava mais, que não se encontrava mais. Tinha tudo sido corrompido com esse jeito de quem pensa que enfeite vale mais que vida, que vida recebe valor à medida que recebe enfeite cor do sol.
Para alguns, ouro é mesmo ouro, objeto pelo qual se mata e se morre. Para outros, ouro é somente o que é: pedra amarela tirada da natureza para um uso simples, e enfeite é apenas objeto para realçar a beleza da vida, para demonstrar que se ama e se celebra a vida. Nunca para lhe atribuir valor, porque vida já vale tudo que precisa somente em ser vida.
Marta Almeida: 20/05/2024