Despertar Brasileiro

Acorda.!!!! O galo já cantou a duas horas, o sol já raio a meia hora, e o vento já não é tão frio como na madrugada. Ouço isso todo santo dia. Pela janela vejo a luz entrar pela fresta que fora deixada de propósito só para interromper aquele sonho que já não me lembro: meus sonhos parecem cartas sem destinatário, pois dificilmente chegam a mim, e se chegam, parecem um papel rasgado sem vários pedaços.

Não a porque negar a obrigação de levantar, procurar o chinelo que nunca está onde eu deixei, e perceber que alguém te espera para cumprir as suas horas diárias de trabalho. Não, definitivamente não a porque negar isto: esse sempre foi um dos meus sonhos—não confunda com os sonhos extraviados que você custa a encontra-los sem nunca obter sucesso—todo mundo tem que ter um trabalho. Isso parece dar-me forças para ir até o banheiro, após ter achado o chinelo num lugar que não me lembro de ter deixado. Nada melhor que tomar um banho para acordar o corpo e despertar a alma de um mundo que você não conhece. Mais como tudo passa, você mal pode sentir a água em seu corpo e já precisa correr para não se atrasar—se eu me atrasar não vou poder passar a minha digital naquela maldita máquina—após anos de trabalho. Não posso parar para pensar no meu emprego, não posso. Mais não a como, quem diria que o meu maior sonho era um emprego. Como é estranho lembrarem de mim só quando eu cometo um erro. Como eu sou inocente, esperar que alguém venha me elogiar sobre o meu trabalho executado com grande esforço e dedicação. A não, jamais. Contudo, se eu erro, tenho certeza que virão chamar-me a atenção. Olhos sedentos, discursos ensaiados e gritos de estourar os tímpanos. É tudo que meus superiores esperavam de mim: um erro. Só um erro. Pronto. Volto a estar abaixo daquele que vai entrar amanhã na empresa. Preciso passar o uniforme. Tem que estar impecável para que não chame a atenção. Quem consegue chamar atenção com um uniforme. Na verdade quem quer chamar atenção com uma merda dessas? Coloco o uniforme e como um ser humano vaidoso, preciso me ver no espelho, dar um tapa no cabelo: sentir-me bem comigo mesmo. Oras, alguma coisa tem que me fazer feliz nesse dia. Posso?

Um cafezinho cairia bem nesse momento. Ainda me lembro do prazer de ferver a água, pegar o pó branco,misturar com o outro pó e sentir o aroma desta iguaria que está tão perto, entretanto tão distante, pois para está mistura a um tempo necessário para faze-la. Um tempo meu que infelizmente vendi.

Bem distante ouço uma voz que parece chamar-me. Não é estranho este som. Não. Cada vez mais próximo. Já não parece uma voz. Não mesmo. Começo a preocupar-me. O que será que é isto. Como uma coisa dessa pode acontecer logo antes de eu sair para o trabalho. Dã-dãdãdã-dã-dãdãdã. Não pode ser. Como? Como é difícil ver que o sonho foi realmente um sonho, totalmente incompleto e sem nexo, pois como posso ter a sensação de acordar para trabalhar se não tenho aonde. O barulho que me acordará fora somente o despertador, a avisar que preciso acordar para minha luta diária: “realizar um sonho por necessidade e não por prazer”. Este é meu sonho extraviado.