Baratas: um medo ou um nojo?
Era uma tarde abafada, dessas que fazem o asfalto derreter e os ânimos se inflamarem. Na calçada, um homem de meia-idade, com a testa suada e o olhar cansado, encarava uma barata. Não era uma barata qualquer, mas sim uma daquelas criaturas que parecem ter saído diretamente do inferno, com suas antenas ondulantes e suas patas esguias. A barata, por sua vez, parecia desafiá-lo, como se dissesse: "Vamos, tenha coragem! Mate-me!"
O homem, no entanto, não estava disposto a enfrentar aquele desafio. Ele olhou ao redor, verificando se alguém o observava. A rua estava vazia, exceto por uma senhora idosa que passava com seu cachorrinho. Ela lançou um olhar de reprovação ao homem, como se dissesse: "Homem medroso, não sabe nem matar uma barata!"
Foi então que um jovem, com ar de superioridade, aproximou-se. Ele usava uma camiseta com os dizeres: "Real Men Don't Fear Bugs". O homem de meia-idade sentiu-se encurralado. O jovem apontou para a barata e disse, com um sorriso sarcástico:
— Está com medo de matar uma baratinha?
O homem franziu a testa, como se tivesse cheirado algo desagradável. Sua voz saiu em um tom alto e indignado:
— Não é medo. É nojo! Nojo dessa criatura repugnante, desse ser que rasteja e se esconde nos cantos mais sombrios da casa. Nojo dessa sociedade que impõe que um homem deve ser destemido diante de uma barata, como se isso fosse um teste de virilidade!
O jovem riu, achando graça da reação exagerada do homem. Ele apontou para a camiseta e disse:
— Homens de verdade não têm nojo de nada. Eles esmagam baratas com as mãos nuas, como se fossem super-heróis.
O homem olhou para o jovem com um misto de raiva e desdém. Ele pensou nas expectativas absurdas que a sociedade impõe aos homens: a ideia de que devem ser fortes, corajosos e invulneráveis. Mas, na realidade, todos têm seus medos e nojos.
Ele olhou novamente para a barata, que continuava lá, desafiadora. E então, com um suspiro resignado, antes que o jovem pudesse fazer alguma coisa, pegou um chinelo e esmagou-a. O jovem aplaudiu, como se estivesse diante de um grande feito.
Mas o homem sabia a verdade. Não era coragem que o movia, mas sim o desejo de livrar-se daquela criatura asquerosa. Ele não era um super-herói, apenas um homem comum, lutando contra suas próprias fraquezas e inseguranças.
À noite, em casa, o homem e sua esposa compartilhavam o sofá. Ela folheava uma revista de decoração, enquanto ele assistia a um programa de culinária na TV. A barata morta ainda estava fresca em sua mente.
A esposa olhou para ele com um sorriso malicioso:
— Querido, por que esse olhar tão assustado? Viu alguma baratinha hoje?
— Ora, mas como é que você sabe?
— A dona Odete me contou.
— Aquela velha... Vizinha fofoqueira!
— Ela me disse que você viu amiguinha de seis patas hoje à tarde.
Ele bufou:
— Amiguinha? Aquilo era um monstro! Uma aberração! E eu a esmaguei, tá bom?
A esposa riu, balançando a cabeça:
— Ah, meu herói destemido! E como foi a batalha épica? Usou o chinelo como arma?
O homem franziu a testa indignado e, com o dedo em riste, disse:
— Não precisa zombar. Eu enfrentei a fera com coragem e determinação. Foi uma luta de titãs! Eu a vi se aproximando, suas antenas oscilando como se fossem espadas afiadas. E então, whack! — ele fez um gesto teatral com o chinelo —, a barata encontrou seu destino final.
Ela aplaudiu:
— Bravo! Um verdadeiro guerreiro! E agora, o que faremos com o corpo da pobre criatura? Um funeral digno? Uma lápide no jardim?
Ele riu, entrando na brincadeira:
— Claro! Vou escrever um epitáfio: "Aqui jaz a barata mais temida do bairro. Ela ousou invadir nosso lar, mas encontrou seu fim nas mãos habilidosas de um homem valente."
A esposa levantou-se e caminhou até a janela. Ela olhou para o quintal, onde a grama estava alta e as flores murchas.
— Sabe, querido, acho que a barata era apenas um mensageiro. Um sinal de que precisamos cuidar melhor da casa. Talvez contratar um exterminador ou, sei lá, fazer uma faxina decente.
— Faxina? Isso é coisa de mulherzinha!
— Ah, é? E ter medo de matar uma baratinha é coisa de machão, não é?
— Não é medo! É só nojo daquele bicho abominável. Você sabia que baratas têm asas? Matar uma delas é uma habilidade que requer muita atenção. Qualquer movimento errado e elas podem voar bem na sua cara!
— Eu vou é jantar — disse ela, indo em direção à cozinha e deixando-o falar sozinho. — E você pode continuar assistindo ao seu programa de culinária. Afinal, homem de verdade assiste a programas de culinária em vez de futebol, não é mesmo?
— Pois então eu vou é te mostrar agora mesmo o que é que os programas de culinária me ensinaram! — disse ele saltando do sofá, passando rapidamente por ela no corredor e chegando primeiro à cozinha — Prepare-se porque hoje você vai comer um jantar preparado pelo seu marido!
Após alguns minutos, surgia a seguinte cena: A cozinha estava iluminada, e o cheiro de jantar pairava no ar. O homem, agora com um avental manchado de molho de tomate, preparava o macarrão com habilidade. Sua mulher, sentada à mesa, observava-o com um sorriso.
Foi então que um som familiar ecoou pelo corredor. Um arrastar de patas, um farfalhar de asas. A baratinha havia retornado, como se tivesse ressuscitado dos esgotos.
Ele parou de mexer o molho e olhou para a criatura. Ela estava ali, no meio da cozinha, antenas erguidas, desafiando-o mais uma vez.
— Olha só quem voltou — disse a esposa, com um tom de deboche. — Deve ser parente da falecida.
O homem olhou para a barata, seus olhos faiscando com determinação. Ele sabia o que precisava ser feito. Com um movimento rápido, pegou uma colher de pau e avançou na direção da barata, como um gladiador pronto para o combate.
— Prepare-se para a sua segunda derrota, criatura asquerosa! — ele exclamou, desembainhando a colher de pau como se fosse uma espada.
A barata, por sua vez, não recuou. Ela enfrentou o homem com bravura, suas antenas tremulando no ar. Uma batalha épica, digna de ser televisionada para o mundo inteiro!
A esposa assistia à cena com um misto de fascinação e horror, sem conseguir desviar o olhar daquela grande batalha. Os segundos se arrastavam como horas, enquanto o homem e a barata travavam um duelo de vontades.
Finalmente, com um golpe certeiro, o homem conseguiu acertar a barata em cheio. Um grito de vitória escapou de seus lábios, ecoando pela cozinha como um troféu conquistado.
— E assim cai mais um inimigo — ele declarou, erguendo a colher de pau como se fosse um estandarte de triunfo.
A esposa aplaudiu, impressionada com a destreza do marido na batalha contra a barata. Ela sabia que, apesar de todas as suas idiossincrasias e medos, ele sempre encontraria uma maneira de superar os desafios que a vida lhe apresentava.
E assim, ao fim daquele dia, ele aprendeu que a verdadeira batalha não era contra insetos, mas contra os próprios preconceitos e visões estereotipadas que lhe foram impostas pela sociedade.