Fernando Henrique e Lula, em tempos idos - Foto retirada da Internet

Preto e Bunda Seca


Charqueadas, Rio Grande do Sul, Brasil. Dois meninos de mesma idade, cursando a oitava série do ensino fundamental.
Preto é criado pelos avós. Seus pais estão separados desde pouco tempo depois que ele nasceu. Sua mãe casou de novo, tem outros filhos e o entregou pro pai. Como o pai tem problemas com drogas e está preso, são os avós que o cuidam.
A família é pobre, pois vive da renda do avô, católico não praticante, mineiro aposentado por invalidez pulmonar, que faz bicos como pescador artesanal para ganhar um pouco mais. A avó, evangélica, é do lar e vende lanches na rua para ajudar o marido nas despesas, visto ter que, além de Preto, ajudar a manter o filho menor, católico praticante, com 17 anos, que, por sua vez, trabalha de ajudante numa lancheria e é estudante.
Bunda Seca é o segundo dos três filhos de uma professora e advogada e de um operário metalúrgico em final de carreira. Mora com o pai e a mãe, tem avós paternos e maternos vivos e tios. Todo mundo bem empregado e bem aposentado.
Preto é gremista, sem religião definida, como toda a família do avô paterno, e gosta de futebol. Não tem muitos pertences. Ganha de uma tia, colorada e católica de ir a missa, algumas coisas no final do ano, como um rádio no ano passado, uma bola vez por outra, além de ser convidado para eventuais saídas e passeios.
Bunda Seca, católico não praticante de ir a primeira comunhão, é colorado como a mãe. O pai e o irmão mais velho são gremistas, assim como os avós e os tios. Todos católicos não praticantes, exceção feita aos avós paternos, que inclusive cantam no coro da igreja local. Bunda Seca ganha presentes e dinheiro dos avós no aniversário e Natal. Tem muitos brinquedos, rádio gravador, camisetas de times de futebol, bolas (inclusive de basquete) e sai freqüentemente com a família para comer fora e viajar.
São colegas de turma. Desfilam na mesma escola de samba no carnaval, na bateria. Vivem a jogar bola e a ir nas casas de jogos eletrônicos. Preto gosta muito de assistir futebol e joga nos times do colégio, além de treinar numa escolinha mantida pelo Internacional na cidade, cuja mensalidade é paga pela sua vó com auxílio da tia católica. Bunda Seca passa mais tempo nos jogos eletrônicos, para o que vive a pedir dinheiro para os pais e avós maternos.
Preto nunca repetiu um ano escolar e teve um pouco de dificuldade em inglês neste ano. No mais, sempre passa por média. Bunda Seca é mais largado nos estudos e, porisso, agora está em recuperação em matemática, português e geografia, fato que gera muita inconformidade na sua família.
Mas os dois acabaram passando de ano. Bons garotos, da paz, com um bom futuro pela frente.
As diferenças sociais não explicam, às vezes, certas coisas. E às vezes explicam! Não há fatalismo sócio-econômico, há perspectiva.
Assim como existem Fernandinho Beira Mar e Fernando Henrique Cardoso, também existem Lula e Simone Von Ristofchen.


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