Há legitimidade das vítimas para executar individualmente o TAC firmado por ente público que verse sobre direitos individuais homogêneos
Há legitimidade das vítimas para executar individualmente o TAC firmado por ente público que verse sobre direitos individuais homogêneos
O caso concreto foi o seguinte: Após um desastre ambiental de grandes proporções causado pelo rompimento de uma barragem no município de Brumadinho, Minas Gerais, administrada pela empresa Vale S.A., inúmeras pessoas foram afetadas, sofrendo perdas materiais e abalos psicológicos.
A Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais, representando os interesses das vítimas, firmou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com a Vale S.A. Este TAC previa indenizações para as pessoas lesadas, incluindo pagamentos específicos para determinados tipos de danos.
João, uma das vítimas do desastre, que sofreu danos emocionais severos, decidiu buscar a indenização prevista no TAC. Ele ingressou com ação de execução de título extrajudicial contra a Vale S.A., reivindicando a quantia estipulada no acordo para o dano específico que sofreu.
O juízo de primeira instância indeferiu a petição inicial de João e extinguiu o processo sem resolução de mérito, argumentando falta de legitimidade ativa ad causam.
A decisão do magistrado foi mantida? Por óbvio que NÃO.
Rompimento da Barragem do Córrego do Feijão
A tragédia do rompimento da Barragem do Córrego do Feijão, ocorrida em 25 de janeiro de 2019 no Município de Brumadinho/MG, acarretou inúmeras mortes e incomensuráveis prejuízos na vida dos indivíduos atingidos - de ordem material e moral -, bem como devastador e irreparável dano ambiental na região. Ou seja, a partir de um único evento danoso, foram violados, simultaneamente, direitos difusos, direitos coletivos stricto sensu e direitos individuais homogêneos.
Nesse contexto, a Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais firmou Termo de Ajustamento de Conduta com a empresa Vale S/A, por meio do qual esta se comprometeu a indenizar extrajudicialmente as vítimas do acidente ocorrido na cidade de Brumadinho/MG.
Termo de Ajustamento de Conduta (TAC)
O Compromisso ou Termo de Ajustamento de Conduta é um ato administrativo consensual, por meio do qual determinado ente público, autorizado pelo art. 5º, § 6º, da Lei nº 7.347/85, estabelece negociações com determinada(s) pessoa(s) jurídica(s) a fim de que ajuste(m) suas condutas às exigências legais, bem como repare(m) eventuais danos causados à coletividade.
O TAC possui eficácia jurídica de título executivo extrajudicial, sendo desnecessário ato homologatório pelo Judiciário para sua exigibilidade.
Legitimados para celebrar o TAC
O art. 5º, § 6º da Lei nº 7.347/85 trata sobre os legitimados para o TAC: Art. 5º Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: I - o Ministério Público; II - a Defensoria Pública; III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; V - a associação que, concomitantemente: a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil; b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. (...) § 6º Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial. O § 6º do art. 5º fala nos legitimados para celebrar o TAC. Quem tem legitimidade para executá-lo?
A lei não prevê expressamente quem tenham legitimidade para executar o TAC. Essa questão sempre foi polêmica na doutrina e na jurisprudência. Todavia, a interpretação mais recente e consentânea com a finalidade das normas protetivas do microssistema de demandas coletivas correlaciona a legitimidade para executar o Termo de Ajustamento de Conduta à natureza do direito tutelado. Isso significa que:
• se o TAC tratou sobre direitos difusos e coletivos stricto sensu, os órgãos públicos são legitimados para executar o acordo;
• por outro lado, tratando-se de direitos individuais homogêneos, nada impede que os próprios lesados executem o título extrajudicial individualmente.
Assim, há legitimidade dos indivíduos para executar individualmente o Termo de Ajustamento de Conduta firmado por ente público que verse sobre direitos individuais homogêneos.
Em suma: As vítimas de evento danoso possuem legitimidade para executar individualmente o Termo de Ajustamento de Conduta firmado por ente público que verse sobre direitos individuais homogêneos. STJ. 3ª Turma. REsp 2.059.781-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 12/12/2023 (Info 15 – Edição Extraordinária).
Guaxupé, 15/02/24.
Milton Biagioni Furquim