Os sons secretos da noite
O cachorro Julim, deitado na soleira da porta, primeiro balançou o rabo, levantou a orelha, focinhou no ar buscando o odor.
Minha mãe, e todos nós os demais filhos sabíamos. Esperávamos apenas a nossa mãe nos dizer. A fala dela, suave, sempre assertiva era a assinatura validando um parecer.
" Seu pai está chegando. Podem ir enontra-lo lá na porteira."
As vezes eu não ia junto com os meus irmãos. Ficava a observar a minha mãe.
Uma mulher magra, de cabelos pretos , vestido discreto até altura do joelho, sem mangas deixando a amostra seus braços longos de pele morena, escurecida pelo sol.
Eu não entendia muito das coisas de relacionamento. Mais me chamava a atenção a relaçao dos dois: meu pai e minha mãe.
Meu pai todo alegre, sorridente, falante e minha mãe quieta de pouco sorriso, voz macia.
Também não entendia de amor, aliás, ainda não entendo.
Um olhar de minha mãe calava o meu pai. Ninguém via, só eu notava. O meu pai a olhava, e nesta troca de olhares estava o sorriso de ambos.
Repito, não entendia de amor e não entendo. Mais ali exista algo forte! Eu sentia o cheiro no ar, eu sentia a alegria contida dos dois.
E a noite, quando íamos dormir, moravamos numa casa pequena com sete filhos. Eu ouvia rangidos de mola da cama, suspiros abafados, e eu não entendia a origem daqueles sons. Me soavam secretos.
E assim o dia amanhecia: minha mãe no fogão, meu pai a preparar a enxada, frios um com outro.
Mais eu via o sorriso da minha mãe no olhar para o meu pai e vice-versa.
Para mim eles eram frios, não se acariciavam, não se beijavam em nossa frente. Mais uma coisa ficava claro pra mim: havia muita cumplicidade entre eles.