SOU O TRISTE LEITEIRO

Quando eu era criança o leite não vinha em caixinha. Não era comprado em supermercado. Pelo menos o lá de casa. Era entregue pelo leiteiro. Para os jovens de hoje: o leiteiro era um profissional que passava cedinho na rua, em carroça ou moto, com um galão enorme de leite. O galão tinha uma torneirinha, de onde era retirado o leite, que ia direto para uma jarra ou garrafinha.

Hoje ninguém mais recorre aos leiteiros. Eles não são vistos nas ruas, alegrando o café da manhã das casas. Entraram em extinção. Assim me vejo com o meu ofício de escritor. Sou um tipo de leiteiro, que ainda é requisitado em uma ou outra casa.

Sou um dos últimos exemplares. Daqui alguns anos livros serão raridades de museus. Dos poucos museus que ainda estiverem de pé. E os escritores serão lembrados por alguns como um tipo de gente excêntrica e triste, os ancestrais dos influencers digitais. Uma casta pré-histórica. Palavras em livros serão como pinturas em cavernas.

O problema maior é que a cada ano a humanidade envelhece algumas décadas. O que era novo pela manhã é bolor ao entardecer. E não há nada que pare essa marcha. Ela tem um ritmo, uma missão e nenhum governo. Contra isso não há armas ou decretos. Não é de interesse público a volta dos leiteiros e dos leitores.

A cada ano morrem 800 escritores e nascem 3 mil coaches, 4 mil tiktokers e outros milhares de outros gurus de autoimagem que habitam as redes sociais. Logo seremos uma paisagem de deserto, sem qualquer oásis. A terra infecunda, sem qualquer compostagem. Não há esperança. Não há sequer uma imitação de esperança.

Anderson Alcântara
Enviado por Anderson Alcântara em 22/11/2023
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