Memória matemática
A memória é um negócio engraçado. É quase subversivo o que ela escolhe reter e o que apaga, como se não houvesse espaço suficiente no “HD”. Eu, por exemplo, me lembro perfeitamente da fórmula de Báskara mas não das minhas resoluções de ano novo. Recito lindamente poemas parnasianos que aprendi na sexta série, mas esqueço de comprar pão. Sei que o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos, mas não decoro, de jeito nenhum, a placa do meu carro.
Acho que situações vividas intensamente são as mais fortes candidatas a se eternizar na memória.
Uma das minhas mais antigas lembranças é voltar pra cama dos meus pais no meio da madrugada, depois deles me colocarem pela nonagésima vez de volta no berço. Quase dá pra sentir a densidade diferente do colchão, o toque das cobertas, a segurança e o calor daquele meinho dos dois. E a satisfação de, eventualmente, vencê-los pelo cansaço.
Apesar de um certo orgulho de saber a tabuada, preferia lembrar com mais frequência de ser gentil comigo, de não me cobrar tanto, de me perdoar, de viver o presente. Às vezes a gente esquece que está aqui aprendendo, e que a vida não é tão exata e precisa quanto a matemática. (Mas ela tem sempre razão).
Então é isso, no final das contas. Quando se trata de medo, autossabotagem e ansiedade, menos é mais.