Existem futuro e passado? Viagem através do tempo é possível?
... e estamos eu e meus botões às voltas com um tema que sempre nos fascina: a viagem através do tempo, que é, também, uma viagem através do espaço. Quem, hoje, nunca sonhou em ir até um ano qualquer da era cenozóica e caçar dinossauros? Quem, hoje, nunca se imaginou, na antiga Atenas, a gastar um dedo de prosa com o Sócrates? Quem, hoje, nunca sonhou em ir até Nero, aquele despirulitado, homem de cabeça fraca, e assisti-lo tacar fogo em Roma? Quem, hoje, nunca se imaginou na companhia de Cleópatra? Quem, hoje, nunca pensou em ir até o antigo Egito e ajudar Moisés a libertar os hebreus? Quem, hoje, nunca pensou em ir até a era das Cruzadas e vergar as vestes dos Templários? Quem, hoje, nunca pensou em dar um tiro na cabeça do Hitler? E quem, hoje, nunca sonhou em ir ao ano 2.050, para saber o que legamos aos nossos descendentes imediatos? Quem, hoje, nunca se viu no ano 2.100, a ver se as profecias catastróficas se concretizaram? Quem, hoje, nunca pensou em ir ao ano 3.000, para saber se é o ser humano humano, ou se ele se transmutou em outra espécie, meio máquina, meio homem? Quem, hoje, não sonha, em ir para um tempo qualquer, daqui a bilhões de anos, assistir ao colapso do Sol, a sua conversão em uma gigante vermelha, e em uma anã branca?
Para ir a qualquer era do passado, impelidos pelo desejo de salvar uma pessoa, dar fim a uma injustiça, matar um ser hediondo, ou simplesmente assistir ao desenrolar de um evento histórico, ou por outra razão qualquer, e para conhecer qualquer momento do futuro uma tecnologia que permita aos homens viajar através do tempo é imprescindível. Infelizmente, ela não existe; assim sendo, estamos impedidos os humanos de realizarmos muitos de nossos sonhos extemporâneos, anacrônicos.
Mas é possível ir-se do tempo presente para o tempo futuro, ou para o tempo passado? E do futuro para o passado? E do passado para o futuro?
Há teorias para todos os gostos. Das mais fantásticas às mais científicas. Uma charrete, ou um carro, que tenha os mecanismos tecnológicos apropriados, faz, e bem, o serviço de levar qualquer pessoa para um futuro distante e para o passado. Uma cabine telefônica recheada de parafernália pode oferecer aos passageiros viagens tranquilas e seguras de qualquer tempo para qualquer tempo. E até relógios compostos de dispostivos avançadíssimos conduzem os seus usuários para qualquer era. E um buraco-de-minhoca, localizado em algum ponto da vastidão infinita do universo, ou produzido em um laboratório, serve de passagem para pessoas irem de um tempo para outro, não importando quão distante os tempos estejam um do outro.
Eu e meus botões nos encasquetamos com o tema, e nos perguntamos se é possível viajar através do tempo. Não pensamos em teorias da física, coisas que desconhecemos, somos obrigados a revelar a nossa ignorância a respeito. As elucubrações científicas e metafísicas da mecânica quântica jamais nos resvalou a cachola. De mecânica quântica o que sabemos? Nada.
Embora sejamos orgulhosos ignorantes nas coisas científicas, somos, na medida da nossa ignorância, presunçosos a ponto de falarmos, sem inserirmos comentários científicos, pois da ciência, repetimos, nada sabemos, de uma questão, a viagem através do tempo, que envolve muitas idéias científicas. Somos eu e os meus botões, humanos. Que nos perdoem a ousadia.
Mas, afinal, o que temos a dizer a respeito do tema, a viagem através do tempo? Algumas idéias, cujo valor ignoramos.
Estivemos a pensar o seguinte: imaginamos que a viagem através do tempo seja possível: se um homem, em um ano qualquer do futuro, viaja, através do tempo, para o seu passado, que pode ser o nosso presente, ou o nosso passado, ele vai, de um lugar, no espaço, no futuro, para um lugar, no espaço, no passado, portanto, ele vai de um lugar para outro, isto é, ele vai de um lugar que existe para um lugar que existe; se ambos os lugares, o do futuro e o do passado, existem, então ele viaja, durante o percurso da viagem, entre dois lugares situados no presente, e não no passado. No momento em que ele parte do futuro, é o futuro seu presente; e ao chegar no lugar que ele tinha como sendo o seu passado, ele, ao nele chegar, nele chegou no presente. Ele só realizou a viagem porque o lugar do futuro existe, e o do passado também, pois só podem existir coisas que estejam no presente, e não no passado, e tampouco no futuro. Todas as coisas existem no presente, e no presente unicamente. Em outras palavras, o passado, destino do homem do futuro, existe no presente. Da mesma forma, o futuro existe, se existe, existe no presente. Assim, o homem do futuro não é do futuro, e ele não viaja para o passado: ele viaja de um lugar, no futuro, que existe, e se existe está no presente, para um lugar, no passado, lugar que existe, e se existe está no presente. O futuro, enquanto momento no tempo, não existe, e nunca existiu, mas existirá, portanto, nele não existe lugar, nem homem, que possa ir ao passado; e o passado, enquanto momento no tempo, existiu, e não existirá, e não existe. Não ocorrem eventos no passado e no futuro; apenas no presente. Que embrulhada! Queremos dizer, então, eu e meu botões, em uma conjectura deveras escalafobética, que, se o homem do futuro, saindo de um lugar do futuro, ir para o passado, encontrar o seu eu mais jovem e matá-lo, ele, o homem do futuro, continuará a existir? Sim, afinal o homem do futuro existe, no futuro, num tempo e lugar que existem, e se existem, existem no presente, portanto, sua existência independe da existência de seu eu do passado, que, no passado existindo, existe no presente. Os trés tempos, o passado, o presente e o futuro, se se considerarmos correta a existência da possibilidade da realização de viagens através do tempo, que são aventuras através do espaço, existem num mesmo tempo, no tempo presente; são, então, existências paralelas, ou estão localizados em universos paralelos, cada um dos três tempos em um, ou no mesmo, universo, em locais diferentes. Em que apuros nos metemos eu e meus botões!
Para viajarmos, de um lugar do futuro, para um lugar do passado, temos de definir o lugar, e, mais do que o lugar, o tempo do nosso destino. Mas qual é a menor fração de tempo existente? Se um homem quer ir, hoje, de sua casa, em certa cidade, até a casa de um amigo, localizada, em outra cidade, a duzentos quilômetros de distância, ele sabe que sairá de sua casa, no tempo presente, e chegará, na casa de seu amigo, no futuro, que será o presente quando lá ele chegar. Em outras palavras, ele empreendeu uma aventura através do tempo e do espaço, num mesmo plano temporal. Para realizá-la, ele tem de definir o seu destino, que está no espaço. Mas se ele deseja, em planos temporais distintos, empreender uma viagem, de um lugar no futuro, para um lugar no passado, ele tem de definir o seu destino, um local, que é um momento no tempo passado, e sem poder defini-lo, e defini-lo com exatidão, não poderá sequer iniciar a viagem. Que enrascada!
Temos eu e meus botões de escolher uma de duas opções: ou nos contentarmos com as nossa viagens convencionais através do tempo, respeitando a nossa linha temporal, viagens, sejamos sinceros, rotineiras e tediosas, e nos resignarmos a sonhar com viagens a H. G. Wells, ou nos dedicarmos a estudar mecânica quântica, física de partículas e outros assuntos que estão mais para ficção científica do que para a ciência, até descobrirmos um meio de viajarmos para um tempo e lugar que sonhamos conhecer: o crepúsculo do século XVI e o alvorecer do XVII, e Alcalá de Henares.