O HOMEM DO FAROL

A vida, por vezes, pode ser comparada a um homem que, solitário, ajuda alguém a se encontrar na escuridão do mar. Ele lê poesias enquanto trabalha. Não pode errar, é valente e sábio. Conhece o mar, seus encantos e perigos. Este homem aprendeu a indicar caminhos, vive ali não sabe há quanto tempo, observando, absorvendo, aprendendo, aprofundando. Dele dependem tantas vidas, que no mar procuram uma rota para ancorar.

Sabe que às vezes para aprender é preciso desaprender. Apagar fatos, queimar recordações, esquecer métodos, artimanhas, práticas. Neste mar também estou eu, só, soltando o leme bem devagarinho, ainda com medo de naufragar em tradições, de mapa na mão, e ainda dispersa, à deriva no infinito. Por isso rasguei meus mapas e deixo-me guiar pelo farol, mesmo que me leve a águas desconhecidas, ou a uma ilha inexplorada. Tudo é bom e permitido. Até onde posso ir, só eu sei. Velejo em águas agitadas, o farol é o meu guia, mas nem sempre quero seguí-lo. Ouço minha intuição e já não temo a escuridão da noite. Eis alguém que atravessou o mar escuro. Na companhia dos seres noturnos, deixei-me conduzir pela emoção de navegar e mesmo à deriva, continuei firme, face a face com o Universo. "Estou aqui, venha, não tenha medo", disse-me o homem do farol com uma voz mansa e envolvente. "Vou ensiná-la a atravessar o mar", completou. Esta última frase formou ecos e na medida que iam sumindo, o mar se agitava, mas não para me atemorizar, mas sim para me despertar a vida, a "vidinha" de ser mais ou menos, sempre pela metade. Em alguns momentos no mar é preciso perder o controle, indo de encontro com o que nos ensinaram.

E no silêncio, que é parte natural da escuridão, mostra-se que a brandura do mar impede-nos de enxergar a luz do farol. E que por vezes, num mar agitado, precisarmos mudar a rota, e confiar num homem que vigia nosso barco sendo carregado pelas ondas e sabiamente nos ensina a atravessar a tempestade e nos conduz de volta à terra firme. Neste mar está o homem mais próximo de Deus, porque guia as pessoas com uma luz divina, conduzindo a todos, inclusive a mim, ao verdadeiro encontro do ser e da vida.

Cláudia Sabadini
Enviado por Cláudia Sabadini em 29/11/2005
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