Métrica poética, bom vinho e café

 

“Medição ou divisão em elementos métricos”, diz o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, dando um dos significados de escansão. “Profissional especializado em vinhos nos restaurantes”, é como está dito antes, em outro verbete, por causa da ordem alfabética, ao dar o dicionário um dos significados de escanção. Paronímia. São parônimos homófonos, palavras homófonas. Coisa simples e bem conhecida de muitos, estudada desde o ensino fundamental. A paronímia, claro.

 

Com efeito, a diferença não está apenas na grafia, mas também no gênero e no significado. Escanção é substantivo masculino, escansão é feminino. Não gosto, confesso, da escansão. Seja no almoço, seja no jantar, prefiro evidentemente a presença e a companhia do escanção, embora só conheça mesmo o sommelier, pois sou um brasileiro que mal conhece um pouquinho do Brasil. A escansão, com seu jeito desenxabido, fica só para a hora dos estudos. Nunca vi graça na escansão, melhor dizendo, na obcecada contagem das sílabas poéticas.

 

Oponho-me, com ira, à deformação de palavras para atender, no verso, à rigidez da métrica. Digo não, veementemente, à licença poética que, para atender aos arroubos, a meu ver, inconsequentes do apego exagerado a essa coisinha chamada métrica, não muito raramente, mutila palavras. O que muitos chamam de licença poética é, tenho para mim, delinquência contra a beleza da poesia em si mesma e, mais do que isso, contra a correção do vernáculo. Que coisa feia!

 

Evidentemente, não desconheço que é necessário e, por isso mesmo, obrigatório estudar métrica poética, aprender escansão. Sem exageros, porém. Sem a obediência irracional que transmuda em feiura o que é naturalmente belo, em nome não sei de quê. Viva Manuel Bandeira com o belíssimo e profundo poema “Os sapos”! Bravo! Manuel Bandeira, sem sair da técnica nem cair nos exageros que criticava, brindou a nossa literatura com irretorquíveis versos martelados. Parabéns aos modernistas!

 

Voltemos ao escanção. Nunca vi alguém empregar essa palavra, embora a conheça, faz bastante tempo, dos dicionários. Imagino que em Portugal seja de uso corrente, mas no Brasil sempre se diz sommelier, que é substantivo masculino. “O encarregado dos vinhos, e que os serve, num restaurante”, diz-nos o Aurélio, ao definir o verbete. É, obviamente, um estrangeirismo. O brasileiro gosta disso. Há até um nome para esse complexo. No entanto, escanção ou sommelier que se diga, a profissão é muito elegante, interessantíssima. A de barista, também. Ah, gosto muito de café, como também gosto de vinho!