Cachorro também é ser humano?
“Cães são iguais a nós.” Quem disse ou escreveu isso? O imortal Ignácio de Loyola Brandão. Está lá, última frase de “Aprendi em Paraitinga”, crônica dele publicada no jornal O Estado de S. Paulo, edição de 7 de maio de 2023, que li hoje, 3 de junho, na página da Academia Brasileira de Letras. Aí me lembrei de Antônio Rogério Magri, que, então ministro do Trabalho e Previdência Social de Fernando Collor, ao tentar sair de uma situação embaraçosa por demais perante a opinião pública, disse solenemente: “Cachorro também é ser humano.” Será? Parece. Cachorro é mesmo um bicho danado de sabido, mas eu penso que não dá para comparar com gente. Cachorro é puro: não mente nem pratica maldade.
Magri, entretanto, foi antológico. Foi! Com essa aí, do cachorro ser humano, e com a do plano imexível, mais ou menos do mesmo tempo. É claro que imexível é etimologicamente defensável, mas a turma da ultracorreção, ensandecida, caiu de pau em cima dele, coitado. Não preciso explicar aqui, penso, porque imexível está correto, mas está. É só uma questão de conhecer ou não conhecer de prefixos, sufixos e outras coisinhas da língua portuguesa. Muitos, infelizmente, não conhecem. Daí, volta e meia, toco no assunto. Só para zoar. Peguei no dente, como diria minha mãe. Só isso.
Posso, não posso? Claro, que sim! Carlos Heitor Cony nunca se cansou de perguntar: “Onde estão os ossos de Dana de Teffé?”. Aliás, até penso que se cansou. Deve ter-se cansado, sim, mas nunca deixou de perguntar. Fazia, só de birra, de vez em quando. Cony foi um cronista nota 10 com elogios. Era um deleite ler nos jornais e, quando não, na seção Artigos, da página da Academia Brasileira de Letras, as crônicas dele, como também as de João Ubaldo Ribeiro, de José Sarney, de Rachel de Queiroz e de tantos outros imortais. Ainda leio, mas alguns deles partiram para eternidade: já não estão entre nós.
O leitor, nesse meio-tempo, pode estar pensando que Ignácio de Loyola Brandão aí estivesse enrascado, tal qual se enrascara Antônio Rogério Magri. Não, não estava. Preciso esclarecer, estava só cronicando. É que, nos últimos dois parágrafos da crônica sobre a Feira Literária de São Luiz do Paraitinga, ele falou de três cães. Um cão e duas cadelas, para ser exato. As cadelas são a Canela e a Pitanga, do casal de amigos que o convidaram para a feira e o hospedaram. Do cão, um vira-lata sem crachá, presente em todas as sessões da feira, ele não soube o nome. Um cão literato. E, demais disso, religioso. Segundo lhe disseram, acompanha todas as procissões da cidade.
Sim, e as cadelas? As safadinhas Canela e Pitanga brigaram entre si, e a Pitanga levou a pior. Caiu e machucou-se, razão por que Marcelo, o dono, que é médico ortopedista, prontamente a enfaixou. E aqui vem a parte mais engraçada. Diz Ignácio de Loyola Brandão: “Pitanga passou a mancar e todo mundo a agradava com afagos e comidas. Duas horas depois, Canela também estava mancando, esperando agrados. Cães são iguais a nós.”