Abandono
Ele descia a avenida presidente Vargas rumo a escadinha,
Tinha as roupas, rasgadas, cerzidas, tudo imundo, em trapos, pés descalços.
As oito horas da manhã, essa avenida tão importante da cidade de Belém,
se torna passarela dos que dormem ao relento,
dos drogados e abandonados pela família e pela sociedade.
Calculei pela fisionomia e considerando a desnutrição,
devia ter uns dezesseis anos de sofrimento.
Os ônibus param a cada momento e descem dezenas de pessoas
Rumo a mais um dia de trabalho
Rostos sérios, tristes, distantes ou alegres.
As jovens que conversam animadas;
Os que param pra tomar café na Manoel Barata;
Tem gente vendendo tapioca e cuscuz de milho,
Todos têm pressa, tem horário pra chegar ao seu destino
Ninguém presta atenção em ninguém, todos seguem seu caminho,
Mas há uma multidão invisível que caminha entre nós
Que tem fome de comida e sede de afeto ou pelo menos um olhar de atenção.
Eles existem, estão lá.
Entrei na Delicidade para tomar café da manhã e quando ia saindo
Lá estava aquele menino, sentado na borda do canteiro, na frente da padaria,
O segurança olhava atento, para evitar que entrasse para incomodar
Os clientes. Vi aquele olhar, não era só de fome, era de desamparo, solidão,
Era de tristeza pela rejeição.
Não saí. Voltei e comprei um lanche pra ele; o que ele comeu avidamente.
Olhou pra mim e disse “obrigada, dona”
E então percebi que era apenas um momento. E os outros dias?
E as outras manhãs de fome? E a falta de uma mãe de quem um dia ele nasceu e
Esteve no colo e talvez brincou e sorriu? Fiquei ali olhando enquanto ele sumia no meio da multidão apressada,
Nunca esqueci aquele olhar e sempre choro ao lembrar, assim como choro enquanto
Escrevo essas linhas.
Atravessei a rua e fui para o escritório tão abatida como se tivesse perdido alguém da família!
Solange Lisboa
12/12/2015 as 22:19h