Algumas pessoas nascem para viver sozinhas
Eu tenho a mania de fotografar pessoas. Certos sábados saio munida do meu canhão analógico, gosto de coisas tangíveis, encontro um lugar em alguma praça movimentada e registro a vida acontecendo a minha volta. Hoje me sentei perto de uma fonte de água, minha cidade tem muitas dessas por toda a parte. Em frente a mim, vendo através da água jorrando, reparei uma mulher sentada sozinha, ocupando um espaço mínimo no banco de madeira. Ela se curvava sobre um livro o qual não consegui ver a capa. Havia algo de paz naquela imagem. Ela ali sozinha, de companhia seu livro bastava. Por que ela estava sozinha? Por que essa imagem incomoda tanto?
Acredito que algumas pessoas nascem para viver só. Nascemos sozinhos neste mundo, caminhamos sozinhos e no fim de tudo morreremos sozinhos. Com o tempo vamos aprendendo a lidar com isso, percebemos que a vida é feita de ciclos e tudo nela é impermanente. Não carregamos amigos de infância, longos romances, não somos tão ligados à família e nem temos amigos para a vida inteira. Não me entenda mal, não é que eu não queira. Ah! Só eu sei o quanto gostaria de ter aqueles amigos de filme que aparecem de surpresa na nossa casa com cervejas, pizza e algum filme ruim pra ver. Só eu sei o desejo de ter um felizes para sempre que dure mais do que alguns meses. Não, isso não é para nós, os solitários. Não sei bem onde isso começa ou termina, simplesmente acontece.
O problema é que não importa quanto tempo passe e você saiba como esses ciclos funcionam, você tem aquele fio de esperança, você quer acreditar que as coisas serão diferentes, que essas novas pessoas irão ficar e retribuir sua dedicação, seu carinho, seu companheirismo… Eu tento me convencer de que não é algo em mim que faz isso. Faz as pessoas irem embora. Leia-se ir embora não apenas fisicamente, a maioria vai embora ainda estando presente. Eles te elogiam, te agradecem, fazem declaração de amor, promessas de "para sempre" e assim, sem aviso prévio, deixam de se importar. Em palavras vazias ainda estão ali, mas já não te perguntam com sinceridade se está bem, não querem saber a resposta. E você continua tentando, buscando, insistindo, mas há sempre uma desculpa pronta daquelas que a gente até decora, ou então elas falam de si mesmas o tempo todo. Você não importa mais.
Recomeçamos um milhão de vezes. Nos esforçamos para ser melhores para a próxima vez. Tentamos fazer valer os minutos, já que são tudo que temos e não sabemos se acabam hoje ou amanhã ou daqui a uma hora. Assim nos tornamos fortes à nossa maneira. Aprendemos a lidar com frustrações mais facilmente do que a maioria, aprendemos a ser quase auto suficientes. Fazemos as pazes com o silêncio e nossa própria presença. Somos intensos, aproveitando cada segundo antes que acabe, desejando que exista um próximo capítulo dessa história. Nós, solitários, não somos tímidos, frios ou cruéis como podemos acabar aparentando. Só estamos cansados de tentar, tentar, tentar e recomeçar.
Às vezes, penso que seja algum tipo de energia que emana da gente, algo que já nasceu nas nossas entranhas. Como se uma divindade criadora selecionasse quem deve viver em abundância com grandes amigos a vida toda, quem tem longos e lindos romances, quem é tão próximo e feliz com a família, e aqueles que devem seguir sozinhos. Sem manual de instruções, sem guia, sem mapa, sem GPS, por si só. A psicologia com toda certeza discordaria de mim, talvez minha terapeuta explicasse como meus traumas de rejeição fazem com que afaste as pessoas por medo, sem mesmo perceber. E sobre os que não carregam este ou aquele trauma?
Os pombos estão se amontoando ao meu redor, de repente eu não estou sozinha com minha câmera. A água da fonte respinga para todo lado e algumas gotículas se prendem na minha lente. Click, registro a cena a tempo. A mulher tranquilamente guarda seu livro na bolsa, olha de um lado para o outro, se levanta sem pressa, e segue reto. Sozinha. Até sumir entre os carros adiante.