Homem tem útero e mulher tem próstata.
Há umas três décadas, se me lembre bem, e sei que bem a data eu não lembro, uma notícia escandalizou metade da população brasileira e indignou a outra metade: em certa prefeitura de não me recordo qual cidade da federação brasileira, descobriu-se que, dentre as notas de serviços que este e aquele funcionários apresentaram, havia os de despesas médicas com tratamento de câncer de próstata e cirurgias no útero. Até aqui, nada demais. O que de todos chamou a atenção foram os seguintes detalhes: algumas funcionárias haviam apresentado à prefeitura documentos que lhe comprovavam que elas haviam se submetido à cirurgia de próstata; e funcionários (homens, explico) à de útero. Que escândalo! Naquele tempo, de obscurantistas a dominarem o debate público, de curandeiros a cuidarem das questões médicas, naquele tempo, uma era de pessoas que ainda não haviam sido agraciadas com a luz da sabedoria, que viria a iluminar a mente humana neste princípio do século XXI, não houve quem, na sua santa ignorância, não bostejasse, despudoradamente, suas maledicências contra os visionários indivíduos que anteciparam, em décadas, duas, no mínimo, os conhecimentos científicos que pessoas de intelecto privilegiado apresentariam nos dias que vivemos, hoje, em plena década segunda do século XXI: homens podem ter útero e as mulheres próstata. E tão perspicazes são os sábios de intelecto infinitamente avantajado, raros seres que as entidades cósmicas celestiais privilegiaram com o dom da sabedoria universal, e dotados de mentalidade que está muito além do nosso tempo, que eles já entenderam que há homens capazes de botar ovos, mulheres dotadas do talento de darem à luz abacates, e homens e mulheres detentores do impressionante, e invejável, dom de, após o intercurso sexual com criaturas bovinas, presentearem, após nove meses de gratificante gestação, a mãe Gaia com bípedes ruminantes de cérebro de içá.
Que se arrependam do hediondo crime que há três décadas perpetraram os tolos e brutos e estúpidos sujeitos que vilipendiaram aqueles funcionários de não sei qual prefeitura de qual município brasileiro que, sendo, uns, mulheres, cuidaram, cada qual, da saúde de sua próstata, e, outros, sendo homens, zelaram pelo bem-estar, cada qual, de seu útero, para que possamos viver num mundo, o outro, que é melhor do que este. Oxalá não tarde tal mundo a se concretizar!