ÓDIO. ESPÍRITO ABERTO, DESARMADO.
“Na natureza humana há uma certa falsidade que, ainda assim, no fim, deve, como tudo que vem da natureza, levar a boas finalidades”. Kant. “Crítica da Razão Pura”, fls. 476.
É preciso estar em paz e com o espírito aberto para entender os fatos que se passam ao nosso lado e com a sociedade em geral. Isso para poder discuti-los com civilidade e propriedade.
Ninguém lava as mágoas não resolvidas nas águas recônditas dos sofrimentos indesejados.
Por vezes existem interpretações equivocadas e compreensíveis quando tudo pode e deve ser esclarecido com tranquilidade para os que não entendem um fórum de convergências e divergências sobre variados assuntos.
A inteligência não sobe até onde visa alcançar por temor de cair dessa altura, questionada. É possível, contudo, insistir na busca para evitar a escuridão, e isso se faz através do espírito aberto.
A internet é um gigantesco fórum, um grande laboratório para inúmeros temas, uma arma sociológica. Basta saber usá-la.
É da contradição que surge uma linha de harmonia. É pela contradição que desponta a justiça, e por ela se formou o direito. As normas nasceram da ruína humana.
Se a sociedade fosse unânime em posições, todos viveriam em paz e ela nem mesmo precisaria ser inventada pelos humanos para harmonizá-los. Não haveria conflito algum, nem mesmo de opinião. Sociedade de deuses.
A sociedade erigiu-se para harmonizar o convívio e os grandes princípios formaram-se no regime assemblear onde o desencontro opinativo construía o denominador comum, a razão.
Mas o sofrimento, humano, é imperativo e presencial, inerente à vida, embora subtraindo a isenção opinativa por força da paixão do sofrimento.
Nada deve ser rotulado adredemente sem questionamento com seriedade na busca da verdade, sempre difícil de ser achada, mesmo em parte, e, principalmente, fazê-lo com espírito desarmado, aberto.
Há fatos que geram sofrimentos e retiram a imunidade pessoal para conviver pacificamente. Deles não nos afastaremos nunca, mas preservar a harmonia, a compreensão, impõe-se. Nisso encontra-se o escudo de que nos fala Kant, um biombo protetor.
Essa estratégia é humana, mas desvia uma saudável discussão que esclarece por vezes. Espíritos armados e fechados pela existência de sofrimento, não permitem pacificar o desejável armistício de ideias que passeiam pela ebulição social, tão comum no convívio humano, e trazem luz.
E o sofrimento salta das entrelinhas no acirramento, visível, palpável para quem lida com conflitos. Se mostra e merece compaixão. Figura uma descrição linear, identificando o local onde se aloja a raiz do sofrimento.
Isto arma os espíritos; a armadura vestida é o sofrimento, impenetrável. Não permite a chegada da necessária serenidade para harmonizar entendimentos que levem à compreensão e mesmo à ajuda e solução de dificuldades.
A melhor estrada para caminhar com nossos sofrimentos é a serenidade em ouvir, a disponibilidade para a respeitável e tranquila interlocução com quem pode ajudar, e o entendimento que tire nossa mente do desespero que facilita a incorreção da postura e da conduta, ambas mostrando a ira soprada por conflitos.
É bom de alguma forma lançarmos longe o sofrimento que acende a fogueira interior que em nada ajuda, antes exacerba o ódio ao mundo.
Desarmar o espírito é o único meio de se alcançar paz.