Carona Para Casa
UMA CARONA PRA CASA
No final daquela situação ela me pediu para levá-la para casa. Estava nervosa e com cara de choro. Fomos andando em silêncio para o meu carro que estava estacionado perto da festa. Deisy é namorada do meu amigo, ou era, ainda não sei. Lucas é um cara legal, uma boa amizade pra se ter. Mas às vezes sabe ser detestável quando bebe, exclusivamente com as meninas com quem se envolve. Deisy é gentil, o tipo de garota que é amável, mas também esperta, sabia entrar e sair das situações. Acho que foi por isso que tomou a decisão de me pedir pra levá-la embora. Não sei dizer o que ela viu no Lucas, eles se pareciam em algumas coisas, mas Deisy nunca faria o que ele fez na festa. Admiro bastante ela, jamais flertei com ela, não sou desses caras. Mas se ela não tivesse com o meu amigo, certamente iria chamá-la pra sair. Isso é meio que um código entre os homens, nunca flertar com a garota do seu amigo, embora nem todos respeitem essa lei. Eu respeito. E como conheço Lucas há anos, sei que ele confia em mim. Até já saímos os três juntos. Por isso ele não se incomodou quando saí do barulho da festa com Deisy.
— Paul, você está de carro? — ela disse falando um pouco mais alto por conta do barulho da festa. Mas já nos afastávamos pra conversar melhor.
— Estou sim — falei.
— Me leva pra casa, por favor, não aguento mais ficar aqui. — ela estava segurando bem o nervosismo e a vontade de chorar ali.
Meu carro não é elegante, mas como costumo cuidar bem dele, o faz parecer muito um carro de bacana. Abri a porta pra ela entrar. Deisy estava deslumbrante com aquele vestido preto, a cor branca da pele dela contrastava bem com a cor do vestido. O tipo de beleza que mesmo que não estivesse bem vestida ainda assim parecia bem-apessoada. Seus olhos amendoados e cabelos castanhos construíam quase que uma obra de arte viva. Era a garota mais bonita que eu já vira. Ela nunca flertou comigo ou algo do tipo, ela era correta. É uma das coisas que admiro nela. Entrei no carro. Vendo ela ali no carro do meu lado me fez pensar na péssima ideia que eu tive em abrir o jogo sobre meus sentimentos. Não queria importunar o relacionamento deles. Só queria que ela soubesse, mas assim que eu dissesse iria me afastar dos dois. Também sou um cara correto. Coloquei a mão no volante e fiquei olhando pra ela em silêncio.
— Deisy, não sei onde fica a sua casa.
— Vai dirigindo, eu vou te guiando pelo caminho — ela falou sem olhar no meu rosto.
Dei partida no carro. Deisy ainda parecia desnorteada com o que acabara de acontecer. Pra fazê-la esquecer resolvi jogar conversa fora:
— Então, a faculdade de arquivismo, como anda?
— Está começando a ficar mais complexo, mas estou conseguindo acompanhar — ela respondeu sem tirar o olho da estrada.
Silêncio. Ela pede pra virar à esquerda. Eu viro pra esquerda. E em frente, e à direita, direita novamente. Silêncio. Daí ela cai no choro como uma criança.
— Não sei como fui me apaixonar por ele, minha mente dizia não, mas meu coração disse sim. Ele consegue ser terrível às vezes, eu pensei que pudesse mudá-lo, mas não… — ela não conseguia mais segurar.
Eu não sabia o que dizer. Simplesmente não sabia o que falar, apenas ser seu ouvinte paciente.
— Como fui acabar nessa vida que eu sempre tentei evitar? — uma pergunta retórica, eu supus.
"Direita até o fim do quarteirão, e então indo em frente até passar pelo Mario's Restaurant." Ela disse tentando se recompor.
Queria poder abraçá-la e dizer que tudo ia ficar bem. Isso é comum entre os amigos, certo? Mas iria ser desconcertante, nunca tivemos o tipo de amizade que envolvia carinhos. Limitei-me a dizer:
— Sinto muito, Daisy. Queria poder ajudar, mas não sei as palavras certas.
— Tudo bem, Paul. Você é um bom amigo. — ela disse já se recompondo.
Agora ela está rindo para parar de chorar.
— Eu sou muito boba, não acha? — disse ela rindo.
— Que nada, a vida é assim, um dia na chuva e outro no sol. E como está à noite e o céu está fechado não é nada bom. — falei tentando animá-la. Ela não se esforçou pra abrir um sorriso, mas depois ficou séria.
— Ai meus Deus, como fui me envolver com uma pessoa assim. Com aquele senso de humor que fica cada vez pior. — falou isso balançando a cabeça de um lado pra outro.
Esforcei-me ao máximo para entretê-la. Passamos o resto do caminho conversando sobre a vida, sobre casos, besteiras, coisas em comum, coisas banais. Como eu queria falar pra ela, mas aquela não era a hora certa. Talvez nunca fosse, talvez devesse deixar as coisas como estão. Melhor ter a amizade de ambos do que ter de me afastar deles. Contei causos da minha faculdade de design de interiores, fazendo piada sempre que podia. Foi um bom papo.
Quando íamos chegando à rua da casa dela a noite estava fria e silenciosa. Por conta da hora que chegamos os vizinhos já haviam se recolhido e só sobrava a solidão e o silêncio. O céu apesar da penumbra estava lindo e dava uma ótima foto se eu tivesse com a minha câmera no carro. Estacionei em frente a casa dela, que estava totalmente escura, exceto por uma luz nos fundos, supus que fossem os seus pais. Abro a porta do carro para ela sair.
— Está entregue em segurança, senhorita. — disse isso fazendo reverência. O que a faz rir.
— Muito obrigada Paul, fico lisonjeada. — disse isso me imitando.
Ficamos em silêncio por uns segundos. Deisy estava maravilhosa, com aquela iluminação da noite sobre ela, parecia qualquer um dos sonhos que já tive com ela.
— Espero que fique bem, aquilo que aconteceu na festa... Sinto muito. — Falo quebrando o silêncio.
— Foi bom para poder enxergar o que eu não percebia há tempos. Sabe aquela história de que nós aceitamos o amor que achamos merecer? Então. Não quero aquilo pra mim. Acho que preciso passar um tempo sozinha, não vou querer ninguém na minha vida por enquanto.
Isso me acertou em cheio, um misto de alegria e tristeza, mas acabei concordando, melhor vê-la feliz em todo caso. Ela me estende sua mão macia e apertamos as mãos. Nos demos boa noite tão gentilmente. Entro no carro e a vejo entrar em casa. Dou partida e saio. Não pude dizer...