A Garota dos Chocolates
Erica gostava de chocolates. Comia muito e muitos todos os dias. Bombons, trufas, barrinhas, biscoitos, em pó com leite, na cobertura de tortas e bolos, sorvetes e brigadeiros. Chocolate branco, escuro, doce, amargo, incrementado, simples, enfim...chocolate! Pode-se dizer que Erica não apenas gostava de chocolates, Erica dependia deles para viver.
Ah sim, Erica era uma bola. Uma redonda e perfeita bolotinha de adiposidades circundada por bracinhos flácidos, barriga-barril e perninhas roliças. Suas faces coradas em bochechas vermelhinhas balançavam gelatinosamente ao mastigar.
Cabelos tão claros e loiros que pareciam um campo de trigo. Uma pele tão delicadamente branca que Erica mal podia ver o sol, seus olhos azuis cor-de-céu encolhiam-se fazendo seu rosto "lua cheia" comprimir-se como quem toma remédio amargo.
E todos os dias no caminho de volta para casa depois da escola, enquanto todos voltavam em suas bicicletas ou conversando alegremente, Erica sozinha e redonda, andava vagarozamente tal qual uma tartaruga gorda conforme seu peso lhe permitia. Os meninos levados vinham atrás zombando-lhe de todos os adjetivos mais escandalosos e traumáticos.
Daqueles olhinhos apertados no rosto inflado caiam pequenas lágrimas silenciosas. Então, quando finalmente Erica entrava na bomboniere ia enchendo o pacote com os mais diferentes tipos de chocolate. Dos mais variados aromas, texturas, gostos, formatos. Alguns aveludados, outros recheados, outros ainda levemente amargados.
O senhor do balcão sorria simpaticamente para a menina roliça que já bem conhecia, pois ali passava ofegante todos os dias e enchia um pacote de seus chocolates caseiros. Uma de suas melhores freguesas. Sabia que era filha de um rico fazendeiro e que estava permitida a comprar o que desejasse às custas do pai. Porém, mesmo que desse-lhe lucro, ele sorria porque realmente gostava da garotinha.
Quando saía, Erica olhava cuidadosa, verificava se os meninos maus haviam ido embora e só assim seguia seu rumo. Chegando em casa, exausta como que vinda de uma maratona, fechava-se em seu quarto e lá passava o dia a deliciar-se com seus bombons e a brincar com seu único amigo, seu cachorrinho Lulu.
*
Alguns dias riscados do calendário e Erica não apareceu mais na bomboniere. Além dos garotos bobalhões andarem quietos por esses tempos uma única professora sentiu falta da menina tímida a ficar sempre calada no canto da classe. Dona Sônia, professora de artes, apreciava os desenhos de Erica e incentivava-na, acreditava nas capacidades da loirinha cheinha. E seus desenhos... bem, poderia até ser um dom! Apostava no futuro da menina como uma artista.
Única pessoa a elogiar a garota. Resolvera então fazer uma visita à fazenda. Ficou estarrecida ao saber que Erica não estava mais em casa.
Fora levada para um hospital da capital às pressas. Tivera uma crise de hipoglicemia. Detectaram diabetes em nível avançado. Erica estava internada em estado grave.
Toda a escola, as crianças, o dono da bomboniere, a cidade toda enfim se compadeceu. Até os meninos zombeteiros calaram-se e compareceram às missas organizadas pela comunidade, pedindo pela saúde da menina.
Finalmente Erica fora notada, pena que tarde demais!
Quando a família trouxe o caixão e foi feito o funeral, um dos irmãos leu um bilhetinho que Erica deixara escrito quando descobrira-se doente:
"Queridos papai e mamãe! Desculpem por eu não ser igual aos outros, por ser tão diferente. Não entendo porque sou assim. Gostaria de não ser, juro. Mas apenas sou e não consigo não ser eu! Desculpem por não ser como meus irmãos e não ter dado orgulho à vocês. Mas me sinto alegre por ter encontrado carinho no sorriso do senhor do balcão da bomboniere, nas palavras doces da professora Sônia e no olhar tão confidente do meu cãozinho Lulu. Tenho certeza que eles me entenderam como ninguém mais poderá. Deixo para vocês o meu amor infinito. É tudo o que tenho. Adeus."
Só se ouvia os gritos da mãe e o choro encolhido do pai que abraçavam o retrato da filha e pediam perdão por não terem sido bons o suficiente...
Conta-se que a cidadezinha nunca fora a mesma desde então, até a bomboniere fechou.
Sabe-se que todos os anos acontece por lá a famosa "Festa do Chocolate"... parece ser em homenagem à uma menininha inocente que sem querer ensinou uma valiosa lição: No meio de tantos iguais ser diferente é ser especial.