A TRILHA SONORA DAS VILAS
Hoje, voltando para casa, não sei se motivado inconscientemente por alguma conversa paralela no trem, me peguei listando a trilha sonora do subúrbio nas três últimas décadas.
Apesar do asco (pretensamente intelectual), confesso que foi um exercício gostoso lembrar que no início dos anos 80, quem imperava nas rádios e nos aparelhos 3-em-1 eram, pela ordem, Martinho da Vila, Agepê, Clara Nunes e Benito di Paula. Na continuação, a lista também poderia citar Amado Batista, Perla, Trio Parada Dura, Carlos Alexandre e Barros de Alencar. Cabe aqui também o sucesso fugaz da banda Blitz. A segunda metade dessa mesma década viu a explosão do RPM e seu pop-rock intelectualóide, mas de postura mais voltada ao imediato midiático e sensual. A eles se somaram Jovelina Pérola Negra, Almir Guineto e o franzino garoto Zeca Pagodinho. O trono maior, porém foi ocupado incontestavelmente por Bezerra da Silva, cronista suprarreal de um mundo tão à margem que muitos ainda hoje julgam realidade fictícia e/ou apologia simplória da malandragem.
Os anos 90 viram o cetro da liderança ser passado ao grupo Racionais MC’s. O domínio da linguagem lírica e dura do rap, recriando a crônica do real a partir de novos enunciados poéticos, permitiu aos manos racionais adentrar o terreno periférico de forma mais ampla, mais geral e mais irrestrita. O surto roqueiro ocorrido na década anterior entrava em eclipse, mas deixava suas marcas com a visceralidade dos Raimundos e Skank, além do curto-circuito provocado pelos Mamonas Assassinas, abatidos ainda na decolagem do sucesso. E em qualquer tarde de sábado ou domingo, ou nas longas noites de sexta, sempre tinha uma casa, ou um carro velho, mas equipado com um "Pionner", tocando grupos de pagode (Raça, Raça Negra, Katinguelê, Exaltasamba e Só Pra Contrariar, entre outras), axé (É O Tchan, por exemplo). E então sepultamos o século 20.
O amanhecer do novo século viu nascer junto consigo, ainda sob o completo domínio da sisudez racional (que perdura até hoje), outros grupos de rap, forró e pagode. Mas essa presença está sendo confrontada com o advento do funk pancadão, oriundo dos morros fluminenses, que com sua alegria e linguagem chulas, sua sexualidade exarcebada e provocações adolescentes, tomou de assalto os adolescentes paulistanos. Raul Seixas, Jorge Benjor, Xuxa e Legião Urbana recebem registro, pois são constantes e imexíveis no bolo da massa musical periférica. Acima deles, reinam absolutos Tim Maia e Roberto Carlos, que cobrem um longo período musical no imaginário suburbano paulistano e brasileiro, agregando a atenção de jovens, adultos e velhos.
Se alguém tiver dúvidas sobre essas informações, não discutirei, pois essa não tem caráter sociológico ou estatístico. Mas é só dar um rolezinho pela Cidade Tiradentes, Cohabs de Carapicuíba, Itaquera e Taipas, Capão Redondo, Elisa Maria, Embu, Itaim Paulista, Heliópolis, Jaraguá, Taboão, Canão, Embu, Paraisópolis, São Mateus ou mesmo na Ladeira General Carneiro num domingo à tarde, e depois vir contar que posso até estar esquecendo algum nome e ou sobrepesando outros. Mas que essa é a realidade, não há dúvidas.
* Publicado originalmente no jornal "O Grito"(j.ogrito@uol.com.br - Monteiro Lobato, SP), nº 9, JULHO DE 2007