"Pão de Açúcar"
Sexta-Feira, Dezembro de 2017, Zona Norte do Rio.
No amplo salão do instituto, coalhado de finalistas devidamente acompanhados dos respectivos familiares, eu era solenemente apresentado por Demétrio a seus pais, ambos desvanecidos pela oportunidade de prestigiar o resultado do notável empenho do filho na escalada rumo à melhoria das condições materiais de existência.
Uma ocasião sensivelmente gratificante para mim, posto que há menos de um mês e meio antes, também uma 6af, o mesmo Demétrio pousava a mão firme e camarada sobre meu ombro, e enquanto me oferecia um copo d'água gelada, pronunciava tranquilamente as mesmas palavras encorajadoras que eu, por anos de ofício a fio, já havia entoado inúmeras vezes para postulantes como ele - os quais, porém, no mesmo deplorável estado psicológico que eu então.
Naquela 6a feira pela manhã, não me ocorre como fui parar no instituto - apenas me lembro da impressão vívida de haver deixado um pedaço de mim a cada quilômetro do itinerário desde casa, até chegar desmoronado à sala onde Demétrio me aguardava.
Após o providencial (e até certo ponto inesperado) socorro à base de discrição e solidariedade, me recompus pelas próximas horas, pelos próximos dias… pelas semanas seguintes…até a "linha de chegada" nesta outra 6a feira, fim de tarde e de dezembro, no salão do mesmo instituto.
Súbito, entre o ziguezaguear sincronizado dos garçons equilibrando bandejas com petiscos e bebidas, diviso ao fim do corredor que conectava o salão ao auditório, uma esplêndida figura de mulher, cabelo comprido, salto alto, vestido preto (barra pouco acima dos joelhos)...devia estar a uns 10 metros de distância, feições do rosto indistinguíveis, portanto, mas haveria de ser linda… uma graciosidade serena nos modos em combinação com a silhueta ondulosa impunham inapelavelmente esta condição…lembro de haver especulado com meus botões qual seria a origem de tão atraente convidada.
Durante os 10 min em que ela permaneceu no mesmo local, o meu empenho em manter a discrição pelejou contra o magnetismo espontâneo advindo do extremo daquele corredor, enquanto dividia minha atenção entre os pais do Demétrio e um e outro conhecido que me cumprimentava de passagem.
Enfim, ela havia desaparecido - não muito antes da chamada para o início da cerimônia no auditório, para onde nos dirigimos os que ainda permanecíamos no salão. Enquanto Demétrio e seus pais se acomodavam, assumi meu lugar à mesa. Conversei por alguns instantes com um colega próximo, sem me dar conta da composição que ia se completando, até que a apresentadora da cerimônia deu partida ao evento com as boas vindas e as palavras iniciais - ao fim das quais chamou uma profissional a ocupar o púlpito.
Reconheci de imediato o nome anunciado (até ali, uns 7 anos de convivência) mas a visão me surpreendeu vivamente…da ponta direita da mesa se levanta a mulher de cabelo comprido, vestido preto & salto alto, na mesma combinação de suavidade e graça que eu notara desde o salão - a dita conjugação agora marcada pela segurança no deslocamento até o microfone. Durante uns 15 minutos sua fala fluente e vibrante preencheu o auditório com estímulo, reconhecimento e confiança - tudo adornado por um amor pelo ofício lindo de se ver.