E AGORA, MENINO?
E AGORA, MENINO?
O que é do menino do quintal da tiinha? Aquele que vivia àquele paraíso, brincando como não podia brincar, se balouçando no balanço de madeira pendurado à jaqueira? Lembra ainda? Ele gostava de ir para a beira do riacho com seus primos para pegar guarus. Junto com seus primos, gostava de brincar de carrinho feito com lata de leite e puxado por um pedaço de barbante. De tomar suco de groselha na venda do “seu” Júlio. De jogar bola e “aperrear” a vizinha, machucando as suas plantinhas. Ela não brigava. Em outras horas, aquele menino subia no muro para roubar as uvas verdes da videira da casa dela. Em um mundo duro, ele pensava que a vida poderia ser boa.
Mas, ele não era só bom, mas também não era mau, era apenas um menino: ele atirava pedras através do seu “bodoque” para matar passarinhos... nunca acertava!
E, como havia passarinhos! Coloriam o chão no descampado que havia entre aquela casa e o rio Capibaribe: Canários, Azulões, Galos-de-Campina, Cardeais, Sibito, Bico de Lacre e outros tantos. Os mais velhos e mais espertos usavam visgo de jaca em um galho de árvore para capturá-los e vendê-los na feira do Cordeiro.
Com os primos, ele empinava pipa!
Com os primos, ele rodava pião!
À noite, tinha medo do escuro, mas, a vida era bela e Beto havia, mas, Beto já não há! E agora, menino?
O que é do menino ainda moço, que aguardava as férias escolares com a ansiedade saltando no peito e não via a hora de desembarcar em Salgadinho? Vovô e a vovó, que foi a sua vó! Café com pão e queijo, cuscuz com ovo. Banho no cano de água bem quente que vinha das entranhas da terra e jorra, até hoje, inesgotavelmente. Caçar minhocas no fundo do quintal, pegar o caniço e sair com o seu melhor amigo para a beira do rio, pescar piabas e acarás. Na hora do almoço, gostava de comer os “peixes” que pescava.
À noite, com seu amigo, passeava até a praça. Os olhos começavam a desviar-se em direção às meninas bonitas, o coração iniciando a arte de criar imagens e sensações. Salgadinho era uma rua e era segura. Seus avós iam dormir e, em Salgadinho confiavam e no seu menino confiavam. Quando ele chegava fechava a porta e ia dormir em um quarto bem escuro... ele não tinha medo!
No alto de um morro, a igrejinha toda pintada de branco; por trás, o cemitério.
A venda do “seu” Álvaro, a lojinha do “seu” Ismael...
Se as férias fossem as de julho e se chovesse muito pelas bandas da cabeceira do Capibaribe, o rio tornava-se volumoso, subia e cobria a única ponte que unia a estrada à cidade e a única ponte que até, hoje ele viu, que arqueava para baixo e não para cima. O que era problema para os adultos, para os meninos era uma festa. E quando algum cavaleiro se atrevia a atravessar a ponte coberta pela enchente e era arrastado, junto com o seu cavalo, para o meio do rio, pelas suas águas caudalosas? Era o máximo! Nunca viu nenhum desaparecer: eles conseguiam recuperar o “pé” ao final da rua, onde hoje passa a ponte nova. Em um mundo duro, ele pensava que a vida poderia ser boa.
Mas, Salgadinho cresceu; já tem, até, a modernidade de ter gente matando gente e, as suas portas, hoje são trancadas.
O rio secou e Salgadinho já não há! E agora, menino?
Eu soube que o menino, às vezes, ainda tenta segurar amarras da sua vida, esquecendo que, como as águas do Capibaribe, a vida também passa e, como as águas, a vida não se repete.
As águas são outras e o menino, que ainda segura um coração menino, já não é menino e há muito!
Eu soube que o menino descobriu, por conta própria, que a vida até que é boa, mas, nem tanto o quanto ele pensava!
Que descobriu que, nas enchentes, as águas arrastam muito mais do que cavalos e cavaleiros: arrastam vidas, amizades e, imaginem, arrastam até sonhos.
Não sei se este menino ainda sonha. Acho que, na sua “velhice” “ameninada”, ele já descobriu que a vida é uma realidade não sonhada.