CONTRATO COMERCIAL

Se você tiver 28 anos, certamente ainda não pensou em comprar uma sepultura ou pagar um plano funerário. Mas, se já avançou no calendário, é melhor pensar, embora a necessária prevenção seja desconcertante, desconfortável, insólita. E se de fato tomar uma decisão, não aceite tratar de contratos para comprar o serviço. Prefira sugerir ao vendedor tomarem um café com conhaque ou grappa – à moda italiana -, acompanhado de madalenas e bons-bocados. Puro e simples, o café preto se toma em velório.

Certa feita, um corretor tentou vender-me uma sepultura. Recusei elegantemente a oferta, dizendo-lhe que eu não compraria um lugar para cair morto, não tendo ainda concluído o pagamento da casa própria, que eu havia adquirido em módicas prestações mensais, há pouco tempo.

Eu tinha só 28 anos de idade quando da recusa à oferta promocional de inauguração do cemitério, que me daria direito a cinco sepultamentos e uma pedrita de mármore ordinário com o meu nome e datas, quando chegasse a minha vez.

Agora que eu tenho 70 anos, flagro-me na estranha contingência. E procuro os serviços funerários para o caso da indispensável necessidade deles precisar. E faço isso com a esperança de ser feliz pagando pela opção “Cliente Premium”, com atenção exclusiva e a certeza dede que, mesmo morto, serei especial.

Não tenho medo de morrer, mas não quero que ninguém se veja na situação vexatória de desembolsar o que tem nem na poupança, para que eu desça com dignidade sete palmos. Dizem-me que os serviços funerários básicos são altos. Por básico entenda-se um caixão de terceira linha com rendado chinês, umas flores que podem ser de plástico - também vindas da China, via Paraguai - e um chumaço de algodão no meu nariz; um carro caracterizado, com alto-falante indiscreto rumo ao cemitério – tocando "Jesus Cristo", a música de Roberto Carlos -, ou aquela que implora ao falecido segurar na mão de Deus. Mas sem cerimônia religiosa de corpo presente, porém com um resplendor de latão de quatro lâmpadas e o crucifixo, e na porta da casa uma cortina preta já surrada.

Custam os olhos da cara. Por razões óbvias, os meus estarão definitivamente fechados e não verei o valor do PIX. Imagine-se então o preço do funeral “Classe A”, “Luxo” ou “Super Luxo” (coisas do marketing, que nem morto dispensa).

Ainda em vida, pensando bem, não deixarei barato, penso desfrutar de um esquife laqueado, tipo americano, com ferragens douradas e não de plástico; crisântemos e orquídeas naturais de Holambra; terno Hugo Boss; maquiagem à moda japonesa; uma orquestra de câmara tocando Réquiem de Mozart na missa de corpo presente; banda acompanhando o cortejo do caixão dentro de uma limusine preta. Mas, quanto custa essa pavulagem, se até o padre cobrará pelos serviços? O jeito é negociar pagamento em módicas prestações mensais, enquanto estou vivo para programar débito automático mensal na conta bancária, e deixar de me lembrar todo mês do fúnebre e indigesto compromisso financeiro. E, assim, perder de vista a facada na pensão da previdenciária à qual ainda tenho direito.

- Bom dia, é da funerária “Vai em Paz”?

- Bom, dia! É sim, da Funerária! Em que posso servi-lo?

"Ora! Mas que pergunta?" – pensei em silêncio sepulcral e desliguei o telefone sem ter coragem de tratar de negócio comercial da natureza única que se trata com uma funerária.

15/2/2023