Helena

"Escutai, pois! Se as estrelas se acendem é porque alguém precisa delas. "

Maiakóvski

Folhas de mangueira escuras à sua frente, não sabe nem mesmo de qual. As árvores entrelaçam os galhos como mãos de apaixonados e as folhas, lustradas como se oleosas, escondem a vista para o mato alto do terreno irregular e com eucaliptos ao longe. Afasta-os, abrindo passagem. Entre os pequenos dedos, está ela- uma nuvem gorda e branca, contornada pelo sol brilhante. A menina e o cachorro avançam alguns passos, onde param perto da casa de João de barro. Seca, vermelha, é o único ponto destoando do verde do pasto.

O pulso escorrega sobre a testa molhada e o cachorro saliva com a língua para fora. Em volta, só vento e mato. Sozinha, algo de si faz parte daquilo sem que compreenda. Expressão introvertida, ela abre a janela pra dentro, quando ao abrir as cortinas do mundo, observa e sente o cheiro. Eucalipto e mato molhado. Parece ter chegado ao fim do mundo. Não por pensar haver ou não algo além da fronteira das árvores, mas porque, certamente, é o lugar mais longe ao qual já chegou. O cachorro entrega, ofegante. Não contaram os passos, não traçaram rota. É o lugar mais sem caminho que alguém já percorreu. Sem precedentes, simplesmente não se permite ser seguido. Nele, cabem todas as coordenadas do mundo e também nenhuma. E quando se chega, eis que se pergunta: estou mesmo onde procuro? Ou devo ainda andar mais um pouco? Nunca se sabe.

A nuvem se move devagar. Tão devagar que parece pesada. Cresce para todas as direções, como se explodisse em câmera lenta. Há uma mistura de ritmos descompassados em seu exterior. A nuvem, sem pressa. Altas árvores frenéticas, com seus braços rebolando soltos. A luz do sol intacta, em volta da nuvem. O cachorro respirando rápido. O mundo girando, nem sabe pra que direção.

De repente, um ímpeto. Algo que quer extravasar, quase um vômito. O desespero estremece-a de dentro pra fora. Ela junta todo aquele ar. Fecha os olhos. E corre. Corre. Corre tanto e tão rapidamente, que o mato chicoteia as canelas e os cabelos, o seu rosto quente. O cachorro acompanha de prontidão, alcançando- a. Disparadamente, atravessam o lugar mais desconhecido.

Com as mãos sobre os joelhos, arqueia as costas e novamente enxuga a testa. A boca aberta do cachorro parece um sorriso. Ele olha pra ela, ofegante. E aquele então, não mais é o lugar mais longe do mundo. A menina mira o sol e se prepara para correr de novo. Seu coração está batendo, como se unisse todos os ritmos. E ele não para.

Beatriz Beraldo
Enviado por Beatriz Beraldo em 12/02/2023
Código do texto: T7717737
Classificação de conteúdo: seguro