O fumante invertebrado


Curioso o fumante que ontem à noite parou ao meu lado na Pastelaria do Lee.

Fiquei de olho.

Conspirativo, cheio de dedos amarelos, debruçou-se o mais que pôde sobre o balcão e chamou em voz baixa, quase um sussurro, a garçonete chinesa. (Do cronista não escapava, pois tenho audição de índio tingüi.) Pediu então à assustada mocinha que lhe trouxesse vários maços de cigarros da mesma marca, para que ele pudesse escolher o de propaganda antitabagista menos aterradora.

Não queria saber de fotografias de ratos fulminados pela nicotina e o alcatrão, não queria saber do homem de pernas cortadas, do rapazola ligado ao balão de oxigênio, nem da caveira soturna, com seus dentes podres, que teria horrorizado o próprio Hamlet na hora do famoso monólogo shakespeariano.

Não.

Nada disso.

Além de cigarros light, exigia também uma propaganda mais light sobre os males do fumo. As costas dos maços de cigarros não poderiam vir com recomendações médicas civilizadas e telefones úteis para quem estivesse tentando parar de fumar?

Infelizmente não deu para saber qual delas ele acabou enfiando no bolso da camisa. Mas não pode ter sido melhor do que as outras, pois afastou-se dali cabisbaixo, um cigarro aceso entre os lábios delicados e brancos, cheio de pressentimentos e culpa, arrastando-se como um verme pela rua.


[9.12.2007]