Governo Lula. Domingo, 8 de Janeiro de 2.023: manifestações pacíficas, ordeiras e democráticas.
Na praça Monsenhor Marcondes, um pouco antes do meio-dia, Luis Renato, logo após comprar, numa lanchonete, um pastel recheado com carne de frango e uma coxinha com recheio de carne bovina, ambos os salgados bem fornidos, e uma garrafa, das de plástico, de refrigerante de uva, cujo volume correspondia a trezentos emeéles, sentou-se no único banco então desocupado ao redor do chafariz, ajeitou-se no seu encosto, pôs à direita, próximo ao braço do banco, a garrafa de refrigerante e o telefone celular, e sobre as coxas o pacote com os salgados, olhou aos arredores, à procura de alguém seu conhecido, e ninguém reconhecendo, pegou a garrafa com refrigerante, desatarraxou-a, e bebeu, do suco, um gole, discreto, para molhar os beiços. Assim que abriu o pacote com os salgados, e dele tirou para fora a coxinha, e enquanto ajeitava-a nos dois guardanapos que a acompanhavam, para não se lambuzar as mãos - e mesmo assim se lambuzaria -, chegou-lhe um seu amigo, da sua direita, surpreendendo-o:
- Natão, só na maciota, hein?!
Luis Renato, surpreso, voltou-se para ele, e saudou-o com um "E aí, Nael?! Beleza?!", estendeu-lhe a mão direita, puxou para si o telefone celular e a garrafa de refrigerante, e ofereceu-lhe espaço para sentar-se, e perguntou-lhe se ele queria pastel e suco de uva.
- Não. Não. Obrigado - respondeu-lhe Marco Natanael. - Não quero, não. Bom apetite.
- Você já almoçou?
- Já. - e disse-lhe em qual restaurante.
- Eu estava pensando em ir lá. Mas... Desisti. Prefiro um refri, uma coxinha e um pastel. Já estou cansado de, todo dia, comer arroz e feijão e alface e carne de boi. Chega! Hoje, para mim uma coisa mais suculenta.
- E mais gordurosa e menos saudável.
- Até que não. A coxinha tem muita massa, é verdade. E o pastel é seco...
- É da lanchonete... da... - e disse o nome da lanchonete.
- Sim.
- Verdade. O pastel que eles fazem lá é bom.
- Arroz e feijão e pastel e coxinha são a mesma porcaria. Tudo industrializado.
- É verdade.
E seguiram os dois amigos a falarem de trivialidades, enquanto Luis Renato mandava para seu estômago voraz a coxinha e o refrigerante e Marco Natanael zapeava, no seu telefone celular, pelos mares revoltos da internet, circunavegando uma rede social.
- Que loucura! - exclamou, certo momento, Marco Natanael.
- Que loucura?! Quem é o louco?
- Lá em Brasília, uma loucura do caramba.
- O que 'tá acontecendo lá?
- Você não soube, não, o que aconteceu, ontem?
- Em Brasília?!
- É.
- Sei não. 'tô' por fora. Ontem, eu, a Mari e a Dina passamos o dia todo fora. Não vi televisão, não vi telefone, não vi rede. Nada. Nadica de nada. 'tô' desatualizado. Atualize-me aí, Nael.
- Uns arruaceiros, de direita, quebraram Brasília. Destruíram o Palácio...
- Qual palácio?
- O do Planalto. Invadiram o ésseteéfe e a câmara. Picharam a estátua da justiça. Quebraram as vidraças. Fizeram o inferno, ontem, em Brasília. Você tinha de ver. Veja a desordem dos direitistas.
E Marco Natanael exibiu-lhe a tela do celular, que então exibia um vídeo com imagens das manifestações violentas das quais falavam.
- Você ouviu o que a jornalista disse, Natão?! Ato terrorista da direita ultra-radical, extremista, golpista. Vandalismo. Que gente sem noção.
- Tem alguma coisa errada nessa história, Nael. A direita, que é radical, negacionista, terraplanista, genocida, extremista, não age assim. A história 'tá mal contada.
- 'tá?!
- 'tá. Tenho certeza de que 'tá.
- Não sei, não, Natão. Não sei. Nada entendo de política. Só sei que 'tá uma bagunça em Brasília, que só vendo. Bagunça dos infernos.
- É. Eu vi. Nael. Mas veja. Veja. Entenda. Ouça. Essas manifestações não são da direita, não; são da esquerda.
- Da esquerda?!
- Sim. Veja. A direita é radical, antidemocrática. A direita nunca quebra as coisas, não vandaliza o patrimônio público. Eu já vi, em várias reportagens, à televisão, que assisto quase todo dia, as ações da direita. E ouvi as explicações sobre a estratégia dela. A direita jamais parte para a ignorância, entende?! Ela sequestrou os símbolos brasileiros, principalmente as cores verde e amarela da camisa da seleção, e as usa como propriedade dela, e não deixa ninguém mais usá-las. São as cores dela, agora. Da direita; e só da direita. E às suas manifestações os direitistas carregam os velhinhos, as tias do zap, as crianças para mandar mensagem falsa aos brasileiros, a de que respeitam o estado democrático de direito.
- Não entendo um pingo de uma vírgula desse troço de estado democrático de direito.
- Não é complicado, não. No Brasil há instituições democráticas, o ésseteéfe, a cebeéfe, o teéssee, o teceú, a ageú, o teiú...
- O que é teiú? Nunca ouvi falar de tal geringonça.
- Tribunal eleitoral inconstitucional...
- Inconstiticional?!
- Não. Inconstitucional, não. É... Internacional?! Integral?! Sei lá o que é. Só sei que existe.
- E pra que serve?
- Sei lá. Todas estas instituições são importantes para o pleno funcionamento do estado democrático de direito. Sem elas, não existe o estado democrático de direito.
- Não é estado de direito democrático, não?! Ouvi isso em algum lugar. Onde?! Não me lembro. Minha cabeça não me ajuda.
- É estado democrático de direito, eu tenho certeza. Li alguma coisa a respeito. Mas... Veja: ouça bem: os direitistas, sempre anti-democráticos, reúnem milhões de pessoas, aos domingos, sempre aos domingos, às vezes aos sábados, e uma vez ou outra aos feriados, e uma vez por ano no dia sete de setembro, para pressionarem os ministros do ésseteéfe e o exército a darem um golpe de estado contra a democracia. E o fazem antidemocraricamente, cantando o hino e rezando o Pai Nosso. Misturam política e religião, os fanáticos.
- Mas eles não quebram prédios...
- Não. Não quebram. E sabe por quê?
- Não.
- É porque as ações populares contra os opressores sempre pedem ações contundentes, que exigem dos manifestantes, e de manifestantes democráticos, que lutam pela liberdade de todos, coragem para arrostá-los. As manifestações de domingo, vi, aí, no celular, foram democráticas, contra os opressores; portanto, dos esquerdistas, e não dos direitistas.
- Mas é o Lula o presidente. Não seria contraditório lutarem os esquerdistas contra o Lula, que é de esquerda.
- Aparentemente, é. Todavia, realmente não é.
- Não entendi.
- Veja, Nael. Entenda: O Lula está num vespeiro: os militares não querem vê-lo nem pintado de ouro, os deputados e os senadores são serpentes e os juízes do supremo não são flores que algum cristão se disponha a cheirar. Todos eles querem puxar o tapete do Lula. Então, neste ninho de serpentes, que é um vespeiro, o que pode o Lula fazer?! Nada. Nada de nada. Menos que nada. Nada negativo. Resta a ele, portanto, o apoio de seus apoiadores, que são democráticos. Ora, alguém, da turma do Lula, disse para os militantes irem para Brasília e chutarem o pau da barraca, para o bem da democracia brasileira, para a conservação do estado democrático de direito.
- Não entendi. Mas as manifestações foram violentas...
- Não foram, não.
- Não?!
- Não. Veja. Veja. Entenda: as ações dos direitistas são violentas, antidemocráticas, mas ordeiras na aparência. Entenda, Nael: ao sequestrar o verde e o amarelo da camisa da seleção, os direitistas cometeram o maior dos crimes contra a pátria. Aqui está a violência dos direitistas, a verdadeira violência. Ontem, nenhuma violência se viu. O que se viu foram atos democráticos, para enfraquecer os inimigos do Lula, em favor do estado democrático de direito, que só pode se manter em pé se o representante do povo, democraticamente eleito, o presidente, isto é, o Lula, vencer os seus inimigos. Entendeu?! Os manifestantes, ontem, agiram com civilidade, pelo bem da democracia brasileira, que não vai bem das pernas.
- É meio confusa a...
- Confusa a história é, não discordo. Tenhamos em mente o seguinte, Nael: nem tudo que reluz é ouro. O que parece ser uma coisa é outra. Existe um... Como se diz?! É... Confronto dialético... Acho que é assim que se diz. Um confronto dialético entre a teoria e a prática, entre as narrativas e a realidade. É a história obscura, a eclipsá-la mentiras de fazer morrer de inveja o Malazartes. Temos de saber decriptografar as mensagens criptografadas que a mídia nos passa.
- Interessante. Interessante.
- Temos de ser prudentes, e não nos deixar levar pelos políticos, pelos jornalistas, pelos iotuberes. Todos eles querem nos manipular.
- Verdade.
- A jornalista aí do vídeo erra ao atribuir aos direitistas as manifestações de ontem. Erra feio. Manifestações democráticas dos direitistas o mundo jamais viu.
- Política é um treco muito complicado. 'taí o porquê de eu nunca me envolver em discussões políticas.
- Nelas também não me envolvo. Nem morto! Não quero ter um treco enquanto estou a discutir com desmiolados de direita e de esquerda.
- Nem eu. 'tá louco! Perder a cabeça por causa de gente descerebrada que confunde alhos com bugalhos e crocodilos com cocô de grilos e que não fala lé com cré! ' tô fora!
- Eu também.
- Nem votar votei. P'ra que perder meu tempo...
- Também não votei.
- Você tem certeza, Natão, que é estado democrático de direito, e não estado de direito democrático?