Quem é racista? Quem é machista? Quem é homofóbico?
Estavam, à mesa do bar, Roberto Carlos e Carlos Roberto, ambos negros, altos e fortes. Amigos desde o curso técnico de engenharia e colegas de trabalho, trocaram algumas confidências. Assim que, celular à mão, leu uma reportagem que lhe chamou a atenção, Carlos Roberto disse:
- As cotas raciais, Bertão, estão aí para ajudar os negros. Negro, no Brasil, só sai da sarjeta com um empurrão de mão amiga do governo; do contrário, nada feito. O sistema não permite a ascensão social e econômica dos negros.
- Deixa disso, Carlão. Veja você e veja eu. Estudamos, juntos, na mesma escola, na mesma sala-de-aula, com os mesmos professores, durante quatro anos, quatro difíceis anos. Oh! tempo bom. Lembra-se?! Estudávamos dia e noite. Sob chuva e sob o sol. E aqui estamos: belos, fortes, eu a viver com a minha branquinha, você com a sua pretinha, e de bem com a vida, e bem de vida, todos nós. Tenho um teto e roupa lavada. Você também. Ganhamos bem, muito bem. Temos salário de matar de inveja muita gente branca. E vivemos, no técnico, de cotas?! Não. Não. E não. Na na ni na não. Hoje bato no peito, e digo: Varei noites em claro e suei sangue para ter o que tenho. Com a valiosa ajuda da minha branquinha, é claro. E do meu velho e da minha velha. Você também tem o direito de bater no peito, e encarar, de frente, o mundo. Você e a sua pretinha. E seu velho.
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Ana e Marisa, amigas desde a infância, encontraram-se no cabeleireiro. Conversa vai, conversa vem, Ana comentou:
- Meu marido é... meu ex-marido é um idiota de primeira. Traiu-me, o vagabundo. Pulou a cerca, o desgraçado, e foi se esbaldar na cama da Lúdi, aquela... aquela... Nem digo, para não me irritar. Quero esquecer o caso. Homens! Todos mulherengos! Todos safados! Todos machistas!
- Não generalize, Aninha. Meu marido é um amor, um doce de pessoa. Um príncipe encantado. Um deus. Além de bonito e charmoso, é educado, carinhoso. Ajuda-me em casa. Cuida dos filhos com amor que só vendo. Um doce de coco. E meu pai?! Um rei. Que amor! Marido exemplar.
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Na lanchonete, conversam Vanessa e Angélica:
- Para se evitar a superpopulação - disse Vanessa - se faz necessário acesso fácil ao aborto. Sabe, Angéli, penso que logo enfrentaremos escassez de alimentos tanta gente existe no mundo. E, cá entre nós, a interrupção da gravidez tem de ser política de Estado, sanitária. É questão de saúde reprodutiva da mulher.
- E pode, Vá, haver saúde reprodutiva se se usa de meios violentos para matar crianças que ainda vieram à luz?! Que saúde?! E não se interrompe a gravidez; extrai-se do útero a criança já morta, ou despedaçada, ou desfazendo-se num mar de líquido corrosivo. Se se interrompe uma gravidez, pode-se retomá-la, depois, restituindo ao útero a criança dele retirada? Não. É assassinato. E não haverá escassez de alimentos: a tecnologia dará um jeito de conjugar a superpopulação com a produção de alimentos.
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Marcelo e Márcio, ambos homossexuais, conversam à mesa:
- Nossa senhora! A nossa sociedade é homofóbica. Meu Deus! Despreza-se, aqui, os homossexuais. Hoje, ao passar à frente da lotérica, dois homens, brutos, acéfalos, provocaram-me. Um deles me disse: "Oi, rosinha. Você gosta de espinho?" E ele e o outro brucutu, peludo igual ratazana, riram, e riram, e riram. Que raiva. E você ri, Marcelo?! Ficou bobo?!
- Deixe de bobice, Márcio. Uma vez na vida e uma vez na morte, uma coisa dessas acontece, e você faz tempestade. Em copo d'água... Deixe de bobice. Sabe o que me aconteceu, hoje? Passei mal, no refeitório da empresa. Socorreram-me e conduziram-me ao pronto-socorro. E sabe você quem me ajudou? O Gustavo, o Maurício e o Nereu, que sempre me trataram com profundo respeito. Heteros, os três. E sabe qual tratamento, no Pronto Socorro, o médico, um bonitão, mulato de um metro e oitenta, um deus da Grécia, me concedeu? O mais respeitoso que eu podia esperar de um ser humano. Conversamos. Contamos piadas. Rimos. Que lindos, os dentes dele. Sabe: estou prevendo: amanhã, sentirei mal-estar e terei de ser conduzido ao pronto-socorro.