Sobre cantos e flores II
Chegou novamente a época do Ipê rosa florescer. Timido, como na outra estação, floriu pouco. Ele não é de florir. Não se desabrocha por completo, como algumas pessoas. Talvez tenha sido mal regado e tenha dificuldade de se expor, se transformar. Talvez não saiba que tem alguém bem perto dele, do outro lado da rua, que o olha com esperança e que acredita que ele seria o mais belo Ipê rosa de toda cidade, porque ele é importante e, por isso, essencial. Não importa quantos cachos ele dê e quantas poucas vezes floresça, ele é único aos olhos de quem ele faz bem. O seu solitário florescer não tira a sua preciosidade, pelo contrário, o faz ser desejado de vê-lo crescer.
Já meu pássaro reapareceu em outra parte da cidade. Já não é mais meu. Mas não me importo, agora sei onde encontrá-lo. Ele está feliz! Não é mais solitário. Com ele mais quatro lindos Bigodinhos encantam os fiéis da igreja matriz. Sua alegria se multiplicou, seu canto agora pode ser ouvido por muitos. Deveria estar triste, ele não é mais só meu. Mas não quero vê-lo engaiolado em minha janela. Quero que o seu som se propague. Quero que tenha uma linda e múltipla família. Quero que outros se encantem por seu canto.
Imagino como seria se o Ipê florescesse o ano inteiro e se meu pássaro não tivesse ido embora. Eles não seriam únicos e necessários para mim. Não seriam especiais a ponto de buscá-los, seja por alguns minutos, alguns olhares ou por uma vida. E porque são únicos cada vez que os vejo aquele momento se torna interminável para mim. Pode ser apenas um instante para meus olhos, mas são lembranças que carrego comigo até nosso próximo encontro.