Concluir, tanto quanto...

 

Poderás ir até a esquina

Comprar cigarros e voltar

Ou mudar-te para a China

– só não podes sair de onde tu estás.

(Mário Quintana, Liberdade condicional)

 

     Além d’outro ano, o que mais já concluíste em tua vida? E quanto ainda falta...? Concluir é uma espécie de lei: concluir o dia, concluir uma tarefa, um ano na escola, a faculdade, um namoro que não deu mais certo, a construção da casa, um projeto pessoal, uma viajem, as férias, o tempo de serviço, um texto, a leitura, um mandato, um tratamento, o último fio de cabelo a ficar branco... até, enfim, concluir a vida...

 

     Chega essa época de fim de ano e os discursos e agradecimentos giram em torno a isso: mais um ano termina... Reconheçamos: isso nem depende de nós. O tempo se encarrega disso. Nem subtraímos nem acrescentamos um só minuto ao ano. Ele se inicia, ele termina – apenas o contamos. Quanto ao mais, iniciamos e concluímos, tanto quanto. Ou não!

 

     Há quem tem pressa em tudo, conclui as coisas antes da hora, vive afoito, ansioso, agitado – eis o mal do século. Conclui aos pedaços, deixando coisas por fazer. Falta-lhe paciência, falta conjugar o verbo demorar, em todos os tempo e pessoas: eu, tu ele, nós... demoramos. Demoras são necessárias, saudáveis e oportunas. Ignorá-las traz prejuízos, tanto quanto.

 

     Há, por outro lado, quem muito inicia e pouco conclui, deixando um amontoado de coisas abandonadas, inúmeras reticências e pouquíssimos pontos finais. Acostuma-se assim, levando a vida e suas responsabilidades sempre pela metade, tanto quanto. Ou, ainda, adiando tudo para depois, feito a canção: amanhã ou depois, tanto faz se depois, for nunca mais (Amanhã ou depois, da banda Nenhum de Nós).

 

     Concluir, tanto quanto estiver ao seu alcance, tanto quanto se mostrar necessário, tanto quanto for o melhor a fazer, tanto quanto depender de si. Parece coisa pouca, mas não é. Às vezes simples e descomplicado, às vezes exigente demais. Para certos finalmentes, basta ir adiante. Para outros, haja coragem! Levar as coisas até o fim, no tempo certo e da maneira certa, tanto quanto, disto dependem muitas vitórias ao longo da vida, disto decorrem certas tragédias pessoais. A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa, conclui, logo de início, Mario Quintana em seu poema Seiscentos e sessenta e seis. Dever feito, tarefa concluída, tempo completado – feito gravidez e parto – e uma consciência mais leve ao fim do dia, antes do fim do ano, antes do repouso – eterno!

 

     Escrevi, tanto quanto, mas preciso ir... tenho coisas a concluir, antes...!!!

Padre Fernando Steffens
Enviado por Padre Fernando Steffens em 27/12/2022
Código do texto: T7680834
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