LIÇÕES DO NAVEGADOR

Acabei de ler, há poucos dias, um dos livros do navegador Amyr Klink, “cem Dias entre céu e mar”. É o impressionante relato de sua solitária travessia do Atlântico num barco a remo em 1984. Partiu ele da costa da Namíbia, na África, e aportou em Salvador 106 dias depois.

Aquele livro estava em nossa estante havia dias. Meu filho tomou emprestado do Éber, amigo da família e, após a leitura, não devolveu imediatamente e o livro ficou vários dias desafiando-me à sua leitura. De vez em quando eu o folheava, observava as belas fotografias, mas, não sentia motivação para a leitura. Até que um dia resolvi mergulhar em suas páginas convidativas.

A narrativa fluente, os detalhes pitorescos, a tenacidade e determinação do autor em executar seu projeto tão milimetricamente elaborado, me cativaram de tal maneira que não deixei o livro até virar a ultima página. O que fiz com frustração porque a narrativa havia chegado ao fim.

O que mais me chamou a atenção foi o detalhadíssimo planejamento que o Amyr elaborou. Ao longo de dois anos de pesquisa levantou informações sobre navegadores que fizeram trajetos parecidos; se informou com precisão sobre correntes marinhas, ventos e ocorrência de tempestades no caminho que pretendia percorrer; a época do ano mais propícia a tal empreendimento; o melhor local, na costa africana, para a partida, enfim, ele estudou, quase à exaustão, tudo o que dissesse respeito ao seu objetivo de atravessar o Atlântico num barco a remo especialmente projetado para ser capaz de flutuar sobre grandes ondas.

Um detalhe interessante sobre isso é que o autor planejou o barco, não para enfrentar ou desafiar as ondas, mas, para aproveitar-se delas, e não somente flutuar, mas ser capaz de ganhar velocidade como um surfista em sua prancha.

Alvo de cuidadosa pesquisa foi, também, o preparo dos alimentos que o navegador deveria consumir durante o trajeto. O cardápio, preparado por experientes nutricionistas, foi resultado de um ano de minucioso estudo para que Amyr não sofresse qualquer desarranjo digestivo nas condições que iria enfrentar no mar.

Porém, toda pesquisa e planejamento para nada serviriam se não houvesse um ser humano dotado de disciplina pessoal, determinação e coragem. Ficou, para minha reflexão pessoal, a confirmação de que com aqueles ingredientes, muitas coisas reputadas como impossíveis na concepção ordinária, se tornam perfeitamente viáveis.

É preciso destacar, contudo, que determinação não deve ser confundida com teimosia. O cuidadoso planejamento capacitou o Amyr a relativizar certas vozes que tentaram dissuadi-lo afirmando ser impossível tal jornada. Como ele tinha um objetivo bem traçado e estava soberbamente informado não se deixou levar por observações pessimistas baseados apenas na simples experiência.

Fechei o livro com uma sensação de leveza e inspiração consciente de que somos mais capazes do que imaginamos. Qual será a nossa travessia pessoal? É estabelecer uma meta, desenvolver um plano criterioso, armar-se de disciplina pessoal e determinação, e partir. O resto, as ondas e os ventos se incumbem de fazer.