AS SAUDADES DE UM SEPTUAGENÁRIO

São muitas as saudades que tenho, hoje, de tempos que não voltam mais. Não voltam não apenas pela impossibilidade da marcha a ré do tempo, mas pelas variações dos impedimentos impostos pela vida social, da maneira que ela se organizou ao longo das viradas dos relógios.

 

A primeira saudade é das caminhadas nas trilhas das matas e montanhas no entorno de minha cidade. Claro que dou conta da caminhada. Sou uma pessoa idosa, mas não sou velho e acabada. Cuido de minha saúde e preparo físico. O problema é que as trilhas por onde eu caminhava estão fechadas ou pelas mineradoras, ou pelas portarias dos condomínios. Caminhadas, hoje, só são possíveis em locais públicos e cheios de gente. Ou então é necessário viajar horas para se chegar às trilhas dos parques nacionais e estaduais. Como a caminhada que fiz nas pegadas do Riobaldo e Diadorim, personagens de Guimarães Rosa, no norte de Minas. A sacanagem capitalista é pior que a saudade.

 

A segunda saudade é dos campos de pelada ludopédica. Aí problema é a idade mesmo. Não dá para jogar futebol com os jovens. Eles não entenderiam minha vagareza. Mas sentir a bola escorrendo em seu tórax até as coxas para aquele chute de trivela, isso não tem imagem de reposição que seque nossos olhos. Por isso ainda tenho comigo uma boa de futebol para realizar, solitário, minhas embaixadas. Isso ainda dou conta.

 

A terceira saudade é dos bailes nos clubes com música de dançar colado na parceira. Nas cidades as discotecas barulhentas tomaram conta do interesse dos jovens. As músicas não são as mesmas de nossa geração, um conflito musical se instaura em nossas mentes. Não há nada de errado com a juventude, eles vivem em outros tempos, apenas. Nós, as pessoas idosas, é que nos tornamos inadequados às modernidades culturais. Acompanhei meus filhos em uma balada, anos atrás. Até curti o ambiente, era bem animado e saudável, mas a inadequação ao ambiente era total.

 

A quarta saudade é das reuniões dos pais e outros idosos no portão de nossa casa. Não havia televisão, então os casos, ou melhor, os causos, eram contados e saboreados um a um. Alguém com a palavra, os demais na escuta e nos sorrisos que se abriam em gargalhadas. Havia também a hora dos causos das crianças, cada um com uma história acontecida ou inventada. Isso acontece raramente, em outros ambientes. Nas portas das casas, com os vizinhos interagindo entre si, não mais.

 

A quinta saudade é dos banhos de rio. Nos fundos da casa de meu avô, no interior de Minas, descia o rio, uns cinco metros de largura, profundidade variável, com algumas praias formadas por bancos de areia nas curvas do mesmo. Às tardinhas lá íamos nós, com roupa de banho (o mesmo calção com o qual a gente andava o dia inteiro) e vara de pescar e minhoca catada no pomar. E por que não fazemos mais isso? Simples, camarada. Os rios estão poluídos. As mineradoras neles jogam seus lixos de metal pesado e sobra das barragens. Adeus, banhos de rio.

 

A sexta saudade é da viagem de trem. A gente pegava o trem em Sabará, à noite, e descia em Rio Piracicaba, casa de meu avô, de madrugada. O mais interessante é que a gente pedia o maquinista para parar o trem em frente a porteira de meu avô e ele parava. Olha só! A gente pulava do trem no meio do caminho, com mala e tudo, e chegava a tempo de buscar as vacas no pasto para tirar o leite da manhã. Outra viagem interessante, essa ainda dá para fazer, era pegar o trem em Belo Horizonte e chegar em Vitória para um banho de mar.

 

E por falar em banho de mar, a sétima saudade é de pegar um ônibus à meia-noite para tomar um banho de mar em Copacabana, ou outra praia do Rio de Janeiro, nas manhãs de sábado. Aliás, banho de mar o dia todo e, à noite, pegar o ônibus de volta para BH. Para esta viagem, a prudência nos informa que é melhor ficar na saudade mesmo, saudade boa para contar histórias. As sete décadas vividas nos deixam um peso nas costas, desses difíceis de jogar fora para aventuras como essa. E como muitas outras aventuras vividas na juventude e impossíveis de refazer.

 

E ainda faltaram os acampamentos em beira de rio, mar ou lago. Faltou contar também das viagens de mochila pegando caronas com caminhoneiros. Do namoro escondido porque o sogro não queria nem saber de você namorando a querida filha dele. Dos longos passeios de bicicleta, passeios que duravam quatro a cinco dias pelas estradas de terra e dormindo onde desse. E nem contei das escaladas que fazíamos em montanhas por esta Minas Gerais afora. Penso que tenho muita história para contar, gostaria de ter plateia também cheia de saudades para trocar. Troco uma saudade minha por duas suas. Um bom negócio?

 

Paulo Cezar S. Ventura (pcventura@gmail.com - @paulocezarsventura)

 

Paulo Cezar S Ventura
Enviado por Paulo Cezar S Ventura em 08/12/2022
Reeditado em 08/12/2022
Código do texto: T7667682
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