ALVORADA
Naquela manhã ela quis fazer algo diferente, que há tempos não fazia. Naquela manhã, decidiu que cuidaria de si. Ficaria um tempo na melhor companhia: a sua própria.
A manhã estava fria e escura. Logo o sol nasceria e mudaria a temperatura. Decidiu acompanhar de perto essa mudança. Se arrumou e saiu para ver o sol nascer. Procurou um local que lhe proporcionasse uma boa visão desse espetáculo. Um lugar calmo e reservado, longe da agitação da cidade. Sentou-se na grama de uma pequena colina, em tempo de ver os primeiros raios surgirem. Podia ver os carros passando apressadamente na rodovia ao longe, mas ali, naquele cantinho, estava só. Era exatamente o que queria.
Ela gosta de apreciar a natureza, mas é especialmente apaixonada pelo alvorecer e entardecer. Ama as cores do céu nessas horas do dia, quando tudo é sossego - ou porque ainda não começou, ou porque já está se encerrando. Ver as nuances coloridas do céu, o degradê dos vários tons de azul, o escuro dando lugar à claridade, tudo isso a fascina. Sente-se em paz.
Pensa que essas horas do dia - início e fim - representam as várias fases da vida. Aliás, a vida é exatamente isso: uma alternância constante entre alvoreceres e entardeceres. Todas as coisas que começam encontram seu fim; todas as coisas que se findam, dão lugar a novos inícios. As cores do céu mudam, como as cores da vida.
Ali, sentada sozinha na relva, contemplando o espetáculo matinal, ela se deixa apenas absorver as surpresas que a vida e o novo dia lhe reservam. Sente o vento a envolver-lhe como um abraço gelado, enquanto a luz do sol acaricia sua pele e o calor tímido beija-lhe a face. Fecha os olhos e suspira, aproveitando melhor o presente que está recebendo. A vida voltando a aquecer, o sol nascendo mais uma vez, o cheiro da grama despertando, o carinho do vento, a alvorada trazendo esperança. Era o início da primavera.