Andorinhas de cartório
São exatamente 10 horas e 50 minutos ou um pouquinho menos, um minuto talvez. (A referência de horas era o relógio da Matriz, ali pertinho, tão exato quanto o do Big Ben. Já o dia, o mês, o ano, isso eu não citei, mas está entre 1966 a 1967. Eu estudava na Escola de Comércio Profa. Maria Dolabela à noite) Duas andorinhas estão aqui na sala presas (eu já era bom de datilografia e ajudava no cartório do meu pai pela manhã, de tarde lia, fazia trabalhos ou simplesmente papeava com os frequentadores da Biblioteca Pública de Pitangui). Estão pousadas perto da lâmpada elétrica e eu fiquei surpreso quando as encontrei aqui, quando cheguei.
Pensei logo em soltá-las e abri a janela, mas elas não encontravam saída e se atiravam em louca corrida (as andorinhas, talvez nessa época, além de voar, corriam... e loucamente) para a vidraça. Uma logo cansou, o que me fez supor que elas estão aqui desde ontem à tarde. Mas a outra continuou fazendo suas arremetidas contra a vidraça, sem saber que o caminho para a liberdade estava um pouco abaixo do lugar onde ela se atirava. Mas esta também logo cansou e foi pousar lá perto da lâmpada, no fio de luz, onde estava sua companheira. De vez em quando elas tornam a voar, mas temendo minha presença voltam logo para o seu abrigo.
Quando eu aqui cheguei logo pensei em soltá-las, mas como disse elas não encontravam a saída e eu tenho a intenção de fazer com que elas consigam novamente a liberdade, logo que termine de escrever aqui.
Lá do lugar onde estão elas me olham e cochicham algo, talvez fazendo planos para escapar.
Estão novamente se atirando contra a vidraça e acho que numa angústia tremenda estão à espera que eu me vá para que tentem a escapada por um meio ou outro.
As andorinhas são lindos pássaros que parecem que acabam de vir de uma festa a rigor e que se esqueceram do caminho de casa. (pode ser que nessa festa a rigor servissem bebida alcoólica às aves e elas se perderam no caminho)
Apesar de estarem presas parecem estar alegres, pois cantam com muita melodia e já estão começando a perder o temor de minha pessoa. (daria mais temor "minha peçonha", não acham?)
Já estão voando mais baixo e uma já veio pousar quase em cima da minha cabeça e me olhar com muita curiosidade. (????!!!! Essas andorinhas de antigamente!!!)
Acho que por hoje já escrevi bastante, pois já são quase horas de se iniciar o expediente (o do cartório) e as andorinhas não saíram. Eu tenho pressentimento que, se elas ficarem aqui, qualquer maldade com elas alguém fará, por isso quero soltá-las bem depressa. Até outra oportunidade, tão curiosa como esta.
(Cartório do Dininho, Fórum de Pitangui, datilografou-se em máquina de datilografia Remington Rand, no ano 1966 ou 1967 do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo)