Do admirável mundo novo, seis histórias que o passarinho me contou.
Contou-me o passarinho, dias destes, seis histórias interessantes, edificantes, que nos despertam para o mundo real, a inspirar-nos sentimentos latentes de desejarmos nos conservar, e para sempre, no universo onírico que adoramos, principalmente quando estamos acordados, todas as seis histórias saídas em noticiários, e não em revistas de ficção, ficção científica,terror, policial,espionagem.
Conto, aqui, em poucas palavras, as seis histórias que o passarinho me contou.
Tem as duas primeiras histórias ares de fábulas, daquelas de Esopo e La Fontaine, mas, ao invés de um animal fazer-se de homem, é o homem que faz-se de animal - conto, ou fábula, já não sei ao certo. Uma, a primeira que irei contar, passada em terras européias, a dar ao seu encerramento uma sentença moral; a outra, a segunda que o leitor irá ler, desenrolada em terras americanas, sem moral alguma.
Em um reino da Europa, um homem, desgostoso de sua condição humana, decidiu, certo dia, a inspirá-lo o saudável sentimento de se unir à natureza, que não era um homem, mas um lince, e,desejando viver a vida comum à tal espécie felina, recorreu aos órgãos públicos oficiais, evocou uma doutrina qualquer da política moderna dos costumes, para que lhe concedessem o direito, e direito natural em tal caso, de viver, tal qual um lince, no zoológico, os cuidadores dos animais a alimentá-lo todo santo dia. Caiu o caso nas mãos de um juiz sensível às demandas do homem que sofrera a mutação genética. O juiz determinou que fosse o lince, outrora um homem, sendo um felino de grande porte, animal selvagem, retirado de área urbana, pois representava perigo para os humanos e para si mesmo, e conduzido à floresta, ao seu habitat - habitat natural, assim algumas pessoas têm o hábito de dizer. Algum feiticeiro, algum mago, algum bruxo, poderoso, assim que recebeu o felino, outrora um homem, o veredicto, fê-lo recuperar a sua condição prímera, a de ser humano.
Moral da história: Ainda há juízes em Berlim.
Agora, a segunda história: Na terra de Martin Luther King, um homem, profissional da arte venatória, matador de ursos e outras feras, devidamente apetrechado, embrenhou-se em uma floresta próxima da fronteira dos States com o Canadá, espingarda em punho, binóculo a tiracolo, e, com o denodo de um ser a inspirá-lo a olímpica Ártemis, incursionou pelo território selvagem, lenta, tranquila, e atentamente, de seus ouvidos não escapando nenhum som, até o momento que divisou, atrás de um arbusto, um cervo. Com a calma que a experiência lhe dera, ficou, à espreita, até a criatura oferecer-se-lhe para ser morta, e posicionou-se corretamente, para não receber nenhum coice, engatilhou o filho da pederneira, e fez mira. E espocou o tiro - e foi o profétil mortal alvejar o animal galhudo. Correu, sem perda de tempo, até o animal ferido. Assim que deu com ele diante de seus olhos, viu-o, para a sua surpresa, transformado em um homem, coberto com uma fantasia a imitar alce, a escabujar, a despejar sangue do ponto ferido, a esgoelar-se de dor. E tratou, e logo, de carregá-lo ao hospital, salvando-lhe a vida. Dizem os desafetos do ilustre caçador, que ele, para a sorte do ser transmorfo, que de homem foi para cervo e de cervo para homem, não tinha boa pontaria, e arrancara-lhe da cabeça apenas um galho.
Saímos do campo das fábulas.
A terceira história é espanhola. Na terra de Dom Quixote e Sancho Pança, um casal de vegetarianos desejou dar ao mundo um presente: um filho. Não podendo, todavia, dar a mulher à luz um vegetal, decidiu o casal, ciente de que o filho que ela viesse a gerar em seu útero seria composto de carne, adotar um repolho e fazê-lo filho seu. Penso que tal garoto, crescido, e bem alimentado, daqui uns vinte anos estará convertido em um exuberante e magnífico abacateiro. Felicidades ao casal e saúde ao garoto.
Conto, agora, a quarta história que me contou o passarinho, que sempre me traz novidades, e novidades sem conta.
Aconteceu o caso em um reino da Europa. Uma jovem, bela e formosa - tem esta história ares de conto de fadas, à Grimm, à Perrault -, desgostosa de seus infelizes casos amorosos, saiu à procura de seu príncipe encantado, e assim viveu vários dias, um tanto triste porque não o encontrava, mas esperançosa: iria encontrar seu príncipe encantado, mais cedo ou mais tarde - e desejava que fosse mais cedo do que mais tarde -, e realizar o seu sonho. E encontrou-o. Sim, encontrou-o. Encontrou-o em um aeroporto. Era o seu príncipe encantado ser robusto, forte, poderoso, um ser espetacular, admirável: um Boeing 747. Anunciou o casal a data do noivado e a do casamento. E de tal caso amoroso nascerá um teco-teco.
E iniciamos a penúltima história do dia: uma história que parece saída das cabeças, unidas, de Collodi e Lobato.
Aconteceu em terras colombianas.
Um cidadão da Colômbia, homem, foi à loja de brinquedos, comprou dois bonecos, e adotou-os: fê-los, com registro em cartório, filhos seus,herdeiros legítimos de sua fortuna, que não é muita, mas é o suficiente para alimentar todos os da família. Feliz estava o homem, mas não completamente. Explico: embora a vida o houvesse agraciado com o dom da paternidade, ele sabia que não eram felizes seus dois filhos, que não tinham uma figura feminina que por eles zelasse: pediam eles uma doce e carinhosa mãe. Está o dedicado pai à procura de uma senhora respeitável e responsável que, unindo-se a ele em enlace matrimonial, venha a assumir o papel de mamãe dos dois meninos.
Recebemos uma notícia, notícia entristecedora: a Barbie rejeitou a abordagem do amoroso pai, que a requestara apaixonadamente. Agora, está ele a arrastar a asa para a Susi. Desejamos-lhe sucesso.
E chegamos à sexta e última história que o passarinho me contou.
Foi no Brasil. Sim. No Brasil.
Não poderia ficar a minha terra, tão rica em jabuticabas e pororocas, à margem do admirável mundo novo que estão os sábios modernos a erguer, dos escombros da civilização, para o bem de toda a humanidade, sabemos. Não iria a outrora Ilha de Vera Cruz, a Terra de Santa Cruz, ficar de fora dos livros de história universal. Moderniza-se o Brasil, seguindo a trilha que outras nações, as pioneiras a desbravarem o mundo do futuro, abriram para que possam ir todos os povos ao novo mundo, vanguardista, livre dos vícios que flagelam, atualmente, a humanidade.
Tal história conta que, no momento em que estava ele em uma bicicletaria,nosso herói, atingido, no coração, por uma flecha, que lhe disparara Cupido,viu, diante de si, uma esbelta, atraente, insinuante, magrela - magrela, mas não raquítica -, cujas rodas eram divinamente sedutoras, e de textura macia, sedosa, seus pneus, e ornamento lúbrico irresistível seu guidão, e belíssimos seus pedais ataviados com pedras fosforescentes. Magnífica espécime de sua espécie, a magrela. E por ela se apaixonou o nosso herói. E casaram-se ela e ele. E viveram a lua-de-mel, fértil. E de relação, tão amorosa, tão apaixonada, tão doce, nove meses depois nasceu um velocípede.