Carta para mim mesmo
estou atrás
do despojamento mais inteiro
da simplicidade mais erma
da palavra mais recém-nascida
do inteiro mais despojado
do ermo mais simples
do nascimento a mais da palavra
(Ana Cristina Cesar)
Talvez nós, escritores poetas, escrevamos para dizer aquilo que, na verdade, gostaríamos de ouvir. Não tenho dúvidas de que a reflexão, quando bem feita, tem poder de persuasão, tem uma eloquência tal que comove. Afeta quem lê. No entanto, para além disso, está a necessidade de quem escreve. Penso não ser o único que diante de um texto já concluiu: eureca! é isto o que eu queria dizer! Não obstante, há mais a ser dito. Então, a dor do parto se inicia. O papel em branco e a intuição a mil. Não é o que eu gostaria de escrever; é o que eu gostaria de ouvir. Isto posto, a consequência é: escrever é ouvir.
Quem fará os comentários? Quem apresentará críticas? Quem aplaudirá? Não importa. Importa, outrossim, escrever. Parir. Expor-se. Arguir. É prazeroso. Se as preocupações com o que dirão forem mais fortes, o texto trava. Se o medo de incompreensão se impor, ele se torna superficial. Se as frases não brotarem da alma, se torna insosso. Se for desprovido de filosofia, estéril. Se importar apenas o estético, revelar-se-á descartável. Se aparentar plágio de ideias, frases gastas, cairá em descrédito. É preciso dizer o que se gostaria de ouvir! Então haverá argumentos, paixão, verdades das quais se está convencido, poética, sensatez, brilho.
Escrever é dialogar consigo, é reescrever tudo outra vez, é silenciar. É esperar, até que a frase “se diga”. É um jeito de buscar a perfeição. Escrever é selecionar leitores, pois nem todos gostarão do teu estilo, da tua prosa, das tuas referências. É ato de coragem, uma vez que a palavra tem poder. Escrever é lidar com tentações gramaticais. Mas é também dar esperança, abrir janelas, construir mundos, acompanhar alguém, preencher vazios, ser encontro de buscas, ser respostas desejadas. É correr o risco do empenho, mesmo sabendo que talvez ninguém leia. É gesto gratuito.
Escrever o que se quer ouvir! Não sei se isso faz sentido para você. É possível que beire um ar egocêntrico de minha parte. Mas lhe asseguro que passa bem longe disto. Foi uma intuição que me ocorreu e, a respeito da qual, queria ouvir algo. Não tive outra escolha senão escrever. Caso também lides com as letras, talvez isto te inquiete. Se, porém, apenas aprecias a boa leitura, mas não te arriscas na arte da escrita, basta-me a alegria de que mais alguém me ouviu.