Batuque na cozinha (IV)


Em febril entusiasmo pelos cinco motores bolivarianos rumo ao celebrado socialismo do século XXI, Miloca e Águia Negra, meus parceiros no boteco de terraço do Lee, não conseguem sentir nenhuma estranheza no terceiro deles, "Moral e Luzes", sob o qual se prevê ou já se acha em andamento no país vizinho uma campanha educativo-ideológica promovida e sustentada por conselhos comunais, mais de trinta mil no momento, como pesquei em um sítio internético pró-bolivarianismo.

Já ecoa em toda parte o grito dessa nova esquerda, com pasmosa originalidade: "Todo o poder aos conselhos comunais." Valei-me, grande Marx: história ou farsa? Não sei. Mas pelo ranço falso-dialético na inquietante expressão Moral e Luzes costumo chamar essas coisas de fazeção de cabeça.

Irritado com a ingenuidade da duplinha amiga, quando quiseram esfregar na minha cara a lista de intelectuais brasileiros fulminados em santidade pelo carisma de Hugo Chávez, vi-me obrigado a perguntar-lhes à queima-roupa:

"Vocês não acham uma escrotidão ser doutrinados por uma vanguarda dita revolucionária?"

Não, não acham. Tanto que não vão sossegar enquanto não encontrarem um círculo bolivariano entre nós. Sabem que já existe alguma coisa no Rio de Janeiro, e até no Orkut. Logo entrarão em contato com essa boa turma. Eu devia ter adivinhado: nos velhos tempos tanto Miloca quanto Águia Negra perderam muitas noites de sono decorando as cartilhas de Politzer. Não sei como não viraram trogloditas.

Tenho certeza que esses dois ainda vão encher muito o meu saco. Que fazer?


[29.11.2007]