Verônicas e Cíceros
Verônica e Cícero se conheceram na faculdade. Um casal mais que provável, diria que previsível. Eram tão parecidos e inseparáveis, que já foram confundidos como sendo irmãos. Mesma sala, mesmos horários, mesma idade. A diferença era apenas física. Cícero alto e loiro e Verônica não tão alta e cabelos cor de chocolate com caramelo. Um casal de lamber os beiços.
Antes mesmo de terminar a faculdade de arquitetura já estavam casados. Filhos não queriam, viajar pelo mundo era prioridade. Assim foi por anos e anos até que chegaram a não poder mais tê-los. Mas isso nunca foi um problema, e sim uma opção.
Certo dia, pra minha surpresa, Verônica me aparece pálida e acelerada dizendo:
- Cícero enlouqueceu! Quer se separar.
Mas como? Impossível, penso eu. O que deu na cabeça desse homem? Anos de paixão equilibrada. Casamento estável, parceria no trabalho e na vida. Estiveram juntos 24 horas por dia durante 17 anos, um amor sólido... E enquanto eu pensava sobre as possibilidades do fim daquele romance de cinema, eu me respondia. Verônica não precisou me explicar. As palavras se repetiam em minha mente, enquanto minha amiga balbuciava palavras que eu pouco escutava, mas muito entendia: equilíbrio, estabilidade, parceria, solidez.
Do que são feitos os relacionamentos se não de instabilidades, de amores ou desamores súbitos e imprevisíveis, de se amar a cada dia de forma diferente, porém constante? De poder se dar o prazer de desiquilibrar para se firmar. Eles nunca viveram um abalo, nunca precisaram se testar, nunca fizeram as pazes depois de uma briga, nunca dormiram “bicudos” e na cama se encostaram, propositalmente, com a intenção de finalmente se beijarem.
E de repente ouvi ela dizer:
- Ele disse que não aguenta mais meu ronco. Nem sabia que eu roncava.
- E por que você acha que ele nunca te disse isso, minha amiga? – Disse eu.
Ela muda ficou, porque entendeu o quanto ele a amava, por suportar seu ronco sem nada dizer. E o quanto ela amava seu jeito bobo de dançar no meio da sala a fazendo rir. O quanto ele a amava por suportar suas tagarelices sobre assuntos que ele pouco conhecia. E o quanto ela o amava por acompanha-lo nas corridas de rua que sempre a tiravam da cama na melhor hora em um domingo de manhã.
Não precisei dizer nada. Suas palavras ecoaram em seus ouvidos como conselhos de mãe que só ouvimos quando viramos adultos. Com um abraço e um sorriso, que tudo dizia, nos despedimos.
Naquela noite Verônica e Cícero conversaram durante toda noite. E no final riram muito dos roncos e das dancinhas que nenhum dos dois sabiam mais viver sem.