🔵 Liberdade ainda que tardia
Logicamente, aconselho que ninguém faça algo parecido. É perigoso em vários sentidos. Entretanto, trabalhando durante o dia e estudando de noite, ducha quente, jantar no prato e cama aconchegante se tornam urgentes. Assim, cabular aula não era uma infração, mas uma necessidade.
Fugir do colégio era muito desafiador, lembrando a dificuldade enfrentada por quem tentava ganhar o lado de fora da prisão de Alcatraz.
O primeiro desafio era juntar e convencer um punhado de rebeldes que “não dessem pra trás”. Reunida a turma, que bem parecia ser a escória do sistema estudantil da época, era chegado o momento de despender um esforço muito maior que qualquer equação exigiria. Mas antes, uma observação: o aspecto era desanimador. Roupas mal ajambradas, cadernos e canetas insistindo em desafiar a gravidade, postura alquebrada e disposição que denunciava que não conseguiríamos chegar muito longe. Contudo, o motivo da fuga parecia nobre, apesar de estar ciente que alguns de nós, assim que ganhassem as ruas, iriam ao fliperama (casa de jogos eletrônicos).
De qualquer maneira, aqueles maltrapilhos haveriam de estar lá fora, sob o risco de ficarem entregues aos vícios de fora da sala de aula: cigarro e truco. A aula de matemática, de qualquer forma, ficaria fora do cardápio.
Apesar de não frequentarmos as aulas de Educação Física, era necessário algum preparo físico, porque, logo de cara, escalaríamos um alambrado de um 3,5 mts. Vencido o alambrado, tivemos que atravessar uma quadra poliesportiva. Cumprimos esta etapa, correndo curvados para diminuir a silhueta da fila de fugitivos na escuridão, sempre tomando cuidado para não despertar a atenção do inspetor de alunos.
Logo depois, uma valeta imunda acrescentaria cuidado à fuga. Era tarde demais para haver algum desistente, então seguimos o longo percurso tomando cuidado para não aumentar a escatologia da ideia porca. A valeta seguia por um caminho que, provavelmente, terminaria na sarjeta, logo, na rua. Não poderia haver lugar mais apropriado para 5 jovens “matando” aula: a sarjeta. Porém, havia mais um empecilho, a valeta seguia íngreme e poderia causar um acidente constrangedor. Como a combinação de fatores era vergonhosa, decidimos subir por uma floresta que devia ser resquício da Mata Atlântica. Como não troquei um punhado das malditas equações por rudimentos de ornitologia e botânica resolvi enfrentar aquela pequena selva sem maiores observações.
Aquele pequeno matagal ao longo da montanha úmida seria a etapa mais difícil, porém a derradeira, por isso o ânimo, já que estávamos a um passo de conquistar a tão sonhada liberdade. Foi perseguindo este objetivo, sujos, machucados, suados e quase chorando, mas com “sangue nos olhos”que pulamos o muro que separava o interior opressor da escola da imensidão permissiva da rua.
Alcançando o lado de fora da escola, acreditamos ter conquistado a sonhada liberdade; anos depois, mas a tempo, descobri que o caminho mais curto, seguro e fácil de conquistá-la é dentro da sala de aula. Em concursos públicos e vestibulares, tenho certeza, as questões que eu não soube responder foram ensinadas nas aulas que cabulei.