Chuva, reflexões, encontros e todas aquelas coisas que parecem mentiras

Quarta-feira, um fatídico dia em uma semana qualquer. O que esperar de um dia banal, o qual não desperta a magia (e desespero) da sexta ou a amargura da segunda? Chovia de forma torrencial, como se os céus estivessem a compensar os últimos meses de seca. O vento uivava ferozmente pelas ruas, à procura de pobres coitados, desavisados do mau tempo. Um dia comum para aquela época do ano.

No meio de todo esse caos climático, lá estava eu, apenas mais um indivíduo no meio da multidão dos aglomerados humanos. Lutava contra meu pobre guarda-chuva (ou o pobre seria eu?) na vã esperança de fazê-lo funcionar.

Quando enfim consigo abri-lo, percebo quatro sorridentes furos em seu tecido, como a zombar da tragicômica situação. Resolvi aceitar o destino e encarar a realidade, talvez se eu parasse de reclamar, a chuva poderia cessar, certo?

Claro que não!

Infelizmente, não é assim que as coisas funcionam. O tempo continuou da mesma forma que estava: inabalável tempestade. Refleti calmamente sobre a situação e decidi parar de controlar o incontrolável (ah! Frases paradoxais e seus paradoxais significados). Quantos acontecimentos deixamos de presenciar por estarmos focados demais em objetivos distantes e dispersos?

Vou propor para você, leitor, o seguinte questionamento: Quais as cinco pessoas mais importantes da sua vida?

Então? Fácil né? Nem tanto.

Sua resposta te surpreendeu?

É impressionante o dom do ser humano de ficar boquiaberto e reflexivo com pensamentos simples. Esse é o maior dom e maldição da humanidade. De volta àquela fatídica quarta-feira...

Desisti de combater meu guarda-chuva e assumi a derrota. Foi quando joguei o velho companheiro, veterano do mau tempo, no lixo, despedindo-me de forma apropriada que percebi algo curioso.

No meio do caminho (onde quer que eu estivesse indo), do outro lado da deserta avenida, havia alguém na mesma situação que eu. No mesmo instante pensei: Será que seu guarda-chuva estragou ou esquecera em algum lugar pelo caminho?

Quantas vezes não passamos por pessoas nas mesmas condições que as nossas e nem percebemos? A famigerada proximidade que afasta. Resolvi prestar atenção na desafortunada estranha, companheira no anonimato: Olhava para baixo enquanto andava, ombros caídos, cabelos castanhos ensopados pela chuva intensa. Caminhava de forma ritmada, como se estivesse a marcar o andamento de uma música com os pés encharcados. Imersa em seu próprio mundo.

Enquanto seguia o meu caminho, como duas paralelas no horizonte, observava-a, encantado com sua existência. Percebi que ela fazia o mesmo, tentava entender minha relação com o mau tempo enquanto me fitava, eventualmente, desviando seu olhar e perdendo o compasso de seja lá qual música estava em sua mente. Como duas retas, eternas, dispersas, distantes e tão próximas, sem poderem se encontrar, seguimos nossos caminhos individuais.

Há, no ramo da álgebra, um curioso teorema o qual afirma (hipoteticamente) que retas paralelas se cruzam em um determinado instante, no infinito. Resolvi aplica-lo à prática, e quando nossos caminhos iram atingir direções opostas, decido atravessar a avenida (antes deserta, agora cheia de carros) e ir a seu encontro.

Lá estava eu, no canteiro central, pronto para atravessar para a outra metade da movimentada estrada, quando me surpreendi: Ela estava lá, no mesmo lugar, olhando-me com seus olhos castanhos de forma confusa e curiosa, sem saber o que dizer.

Abaixou sua cabeça, passou por mim e iria desaparecer no horizonte, até o momento que, instintivamente, palavras fugiram da minha boca e encontraram seus ouvidos atentos:

“Oi, eu te conheço de algum lugar? ”

“Eu estava pensando a mesma coisa...”

Felipe Manzoni
Enviado por Felipe Manzoni em 06/07/2022
Código do texto: T7553833
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