PAIXÃO AVASSALADORA

Eva tinha decidido não se apaixonar. Tinha certeza de que era capaz de uma tarefa simples dessas, afinal ela era uma pessoa muito disciplinada. Esse negócio de amor era coisa de gente descontrolada, e ela, decididamente, não era assim.

Tudo ia de acordo com o planejado, até o dia que Eva abriu a janela pela manhã e se deparou com um outdoor.

Foi um choque. Ele estava ali parado, sorrindo. E ela, desamparada, sentia as pernas tremerem e o coração pular no peito.

Depois disso não teve mais paz. Ele estava em toda parte. A cidade toda estava impregnada daquele olhar intenso, e Eva se viu agindo como uma idiota.

Tinha brigas terríveis com ela mesma. Não podia aceitar um comportamento tão infantil quanto aquele. Aquilo tudo era intolerável, não se reconhecia mais. Sentia uma energia totalmente nova que parecia dominá-la.

Dormia toda noite com a janela aberta com a finalidade de olhar para ele. Durante o dia andava sempre olhando para cima à procura de seu rosto entre os prédios. Assim quebrou três saltos e ganhou uma torção no pé direito.

Mas ela só percebeu que a coisa estava realmente séria quando começou a dar voltas seguidas de carro pelo viaduto mais congestionado da cidade só para vê-lo mais de perto.

Decididamente estava surtada.

Procurou um analista.

Durante as seções, o terapeuta dizia a Eva que ela tinha bloqueado seus sentimentos por muito tempo e eles agora estavam se manifestando por meio de um deslocamento afetivo platônico. Aquilo era muito comum em casos como aquele. O médico então recomendou que ela arranjasse um namorado antes que a coisa piorasse ainda mais.

Ela tentou.

Saiu à noite para “caçar”, como diziam suas amigas. Conheceu vários homens interessantes. Até ficou com alguns, mas nada tirava o homem do outdoor de sua cabeça.

Começou a se desesperar.

Resolveu ignorá-lo. A partir daquele momento começou então a se esgueirar pelas esquinas, sempre de óculos escuros, olhando para o chão, esbarrando nas pessoas como se fosse uma criminosa fugitiva.

Nunca mais abriu a janela. Às vezes quando não aguentava mais de saudades, espiava pela veneziana, rapidinho para não cair em tentação.

Foi em uma dessas olhadas rápidas que seu coração parou de bater por um minuto e o chão sumiu sob seus pés. Ele não estava mais lá. No seu lugar havia um cachorro la-brador correndo na direção de um saco de ração.

Eva não podia acreditar que ele a tivesse deixado.

Chorou por horas, tomou quatro litros de sorvete, gritou, se descabelou... Foi quando se lembrou dos outros outdoors espalhados pela cidade.

Saiu de casa ainda de pijama, entrou no carro, transtornada, e saiu procurando pelo rosto do seu amor.

Mas em cada lugar que Eva passava, lá estava o cachorro amarelo, babando feliz atrás da comida. Em outros um absorvente higiênico a lembrava de que faltava pouco para a menstruação chegar. Dias difíceis viriam!

Ela já começava a perder as esperanças quando chegou ao viaduto por onde tantas vezes passara. Lá, um homem de macacão começava a cobrir de pêlos amarelos o sorriso do seu amado. Em um acesso de fúria, Eva desceu do carro, pulou a mureta do viaduto e começou a destruir tudo.

Jogou fora a cola, rasgou os papéis, se dependurou na escada e agarrou aquele infeliz que estava arruinando sua vida.

O homem, assustado, pedia que ela se controlasse, mas Eva não o ouvia. Furiosa, rasgou tudo que pôde, lhe deu várias dentadas, tapas, arranhões, enquanto uma multidão já começava a se formar ao redor deles.

Quando a polícia apareceu, e enquanto era algemada, ela tentou explicar que o criminoso era o homem dos papéis e seu maldito cachorro amarelo. Eles tinham estragado sua vida, atrapalhado seu amor. E que ela era uma mulher muito sensata, muito racional. Só queria viver sua vida em paz, consciente das coisas, sem fortes emoções, sem paixões.

Tudo muito normal.

Analiamaria
Enviado por Analiamaria em 16/06/2022
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