Clapton e Gilmour
Para quem não é versado em rock: Eric Clapton e David Gilmour são dois guitarristas ingleses. Gilmour fez parte da famosa banda Pink Floyd. Eric Clapton iniciou sua carreira em bandas como The Yardbirds e Cream, mas projetou-se mesmo em carreira solo. Clapton foi considerado um deus da guitarra. Gilmour tem sua legião de fãs, mas que não o considera deus.
Clapton é matemático, preciso e racional na sua técnica. Faz solos rápidos com uma precisão assustadora. Suas notas saem limpas e nítidas – sem exceção aparente, para os ouvidos normais.
Gilmour é estatístico, lânguido, intuitivo e preguiçoso. Parece ser difícil falar em técnica quando nos referimos a ele. Melhor dizer estilo. Não me lembro de solos rápidos dele. Aparentemente não os faz, porque não sabe, porque não quer, porque não se interessa. Seus solos de guitarra são longos e emocionais.
O que aprendi é que o racional, que faz parte do que se pode chamar de cérebro novo, é relativamente recente na evolução humana. Aparentemente o processo é assim – que me socorram os entendidos do assunto: o que aprendemos durante o dia é armazenado em memória de trabalho (a nossa memória RAM) e, durante o sono, é repassado para as nossas memórias de longo prazo (a nossa HD) e vira aprendizado. No entanto, apenas nossos aprendizados eficientes, em termos de serem de utilidade evolutiva, são repassados para a espécie humana. De modo que a nossa biblioteca intuitiva, a que é provinda da evolução da espécie, é constituída de uma quantidade de informações assustadoramente maior e mais eficiente do que a biblioteca racional, que é recente, temporária e não testada ainda em termos evolutivos.
É claro que, então, a biblioteca evolutiva depende da biblioteca racional em sua construção, assim como a Estatística depende da Matemática. Gilmour certamente admira o trabalho técnico de Clapton e vice-versa.
Mas, o que me impressiona, é a escolha de Clapton para deus da guitarra. Seria a escolha do deus racional, da precisão e segurança matemática?
Clapton lançou sua biografia, onde, dizem os analistas, é bastante duro consigo mesmo. É de se esperar de um artista cuja técnica só pode provir de disciplina ferrenha, de uma dureza consigo mesmo, quando os dedos começam a sangrar de tanto procurar obsessivamente a nota correta.
Enquanto isso na sua cama, Gilmour, imagino, dorme, para se abastecer de energia para o show do dia seguinte. Ficarei surpreso em saber sobre o dia em que lançou sua biografia.
“Ah... escrever... dá uma preguiça...”