O MISTÉRIO DE ESCREVER PARA NINGUÉM
Coisa séria que me proponho é responder à pergunta: por que escrevo e para quem? Não há necessidade de escritores no mundo moderno. Esse espaço parece que está sendo preenchido por youtubers e gurus do Instagram. Até os escritores consagrados, aqueles que são publicados pela Companhia das Letras e se apresentam na Flip, até eles são ignorados, são peças excêntricas de um museu que ninguém visita. O meme é lido e debatido com vigor. Graciliano Ramos e Guimarães Rosa descansam em paz, dormem no pó nas prateleiras.
Não tenho editores, não há críticos se debruçando sobre meus escritos. Não tenho leitores apaixonados. Alguns me toleram pelo fato de acharem bonitinho ter um escritor na cidade. Um tipo de esquisitão que sobreviveu ao fim do mundo no ano 2000 e está aí, pelas ruas, criando trovas.
Em meu desfavor cito o fato de não ter escrito nenhuma obra digna de barulho. Não estou em posse de nenhum manuscrito que mudará os rumos da humanidade. Talvez eu jamais terei coluna na Folha ou serei citado em teses de mestrado da USP. Ainda assim escrevo.
Não me vejo tomando um avião rumo à Suécia, para receber o Nobel. Igualmente não me imagino na lista dos mais vendidos da revista Veja. Talvez eu ganhe uma matéria no telejornal do estado, na hora do almoço, por ocasião de algum lançamento de livro. Ainda assim escrevo.
Escrevo por me imaginar morando na memória de alguns poucos, por um minuto ou mais. Por ver no livro uma forma de testemunhar minha época, tal qual um homem antigo que faz desenhos em paredes de cavernas. Escrever é dialogar com o infinito, é um tipo de prece sem um Deus do outro lado. É uma forma de afeto, de ser sublime, de ser fiel a algum desconhecido e misterioso propósito. Escrever é um tipo de resistência, de não sucumbir, de crer que a ilusão pode ser um tipo novo de verdade.