Um diminuto relato sobre desejos irrealizados
As microexplosões das ansiedades eram um freio poderoso frente a quaisquer novas possibilidades. Não dava "bom dia" sem pensar nas consequências, tocava as campainhas com cuidado e paciência o suficiente para não parecer invasiva, cumprimentava pelo tempo necessário para não soar desconfortável.
Sentada nas mesas externas de uma lanchonete listava mentalmente cada vez que se reprimiu em nome da não perturbação da ordem. Viu-se enquanto um amontoado de mensagens não enviadas, conversas abandonadas, toques não executados e desejos reprimidos até não existirem mais – ou ao menos parecer não existir. A calmaria da superfície escondia vulcões poderosos debaixo de sua pele, bem no âmago das suas vontades. Levantou-se e na caminhada de volta à rua tal, que fica de esquina com aquela lá, pensou excessivamente sobre suas tentativas frustradas de conter-se por medo de sabe-se lá o quê. Naquela noite deitou-se imaginando que mundo seria este que estava se negando a viver.
Acordou como sempre, ou quase. Logo no primeiro passo fora da cama estava determinada a realizar o que lhe fosse possível e permitido sem medo de exceder um limite que ela mesma se impusera. Havia tanto a fazer.
Declarou amores mil, comprou aquela coisa naquela loja, encerrou aquela relação que se arrastava, disse vários nãos, se deu vários sins. Parecia tudo em ordem de forma simples, como se um relógio errado se acertasse a partir das mãos do relojoeiro certo. Tudo está bem se acaba bem, leu em algum lugar. Entretanto, não acabou. Dia após dia o desejo se mostrava ali, guiando-a como se não fosse nunca acabar.
Sentiu o rosto corar novamente devido à ansiedade deste ou daquele toque, perseguiu objetivos que se frustraram por diversas vezes, falhou em continuar dizendo e realizando o que se propunha. A verdade lhe atingiu como raio: desejar apenas não bastava, o desejo em si não garantia os pormenores do caminho.
O gosto amargo de perceber-se era difícil de engolir, de lidar, se viu caída em meio seus porquês e comos, sem nem mesmo dar conta de se arrastar para fora do redemoinho de não realizações. Como realizar um mundo de quereres que não dependem apenas de si? Pensou naquela pessoa, naquele toque, naquela pergunta que queria fazer. Lembrou daquele curso, daquele instrumento, daquela porta mal aberta – ou mal fechada – que não conseguia definir como proceder. Tudo parecia tão cinza enquanto ela procurava preto no branco, certezas absolutas e concretas. Revolucionou seu modo preso de enxergar a vida e se viu presa de novo, mas em redes diferentes.
O que desejar quando já se deseja e este desejo por si não basta?
Correu contra o tempo que ela mesma estipulou em busca do que queria, do que buscava no centro de seu ser, construindo e destruindo verdades fundamentais. Escalou cada montanha, percorreu cada deserto, suportou cada tempestade interna que se viu obrigada a viver em busca de conhecer a si, o que realmente queria.
Não havia para onde ir, estava no mais profundo contato consigo mesma. Se perguntava repetidamente sobre o que fazer quando já está se fazendo algo e não se sabe o que fazer. Foi então que cedeu àquele toque que sempre se sentiu ansiosa demais para aceitar. Sentiu o sentimento que fora cuidadosa demais para se permitir. Escutou com atenção aquela verdade que tentou evitar por tanto tempo. As verdades universais estavam na pele que a tocava, mas lhe escapavam a cada vez que o tato o perdia. As labaredas de sua existência acendiam-se naqueles breves instantes de certeza e cresciam em grandes fogueiras entre intervalos de quases e dúvidas. Com o sentir fumegante a verdade dolorida atingiu-a como se viesse na mais alta velocidade.
O infinito é o espaço entre um desejo e outro, somado ao tempo da procura de cada um deles. Não haveria um dia completo, ou uma noite sem um passo adiante. Negar-se ou entregar-se as cegas era enganar a si mesma a respeito do fim da procura que, diga-se de passagem, não tinha fim.
Viver é desejar e mover-se em direção ao desejo, porque desejo move adiante aqueles que o reconhecem.
O que desejar quando já se deseja e este desejo não se encerra?
É o que ela ainda tenta descobrir, talvez, até o fim dos dias.