Tempo bom é hoje

Meu pai era um filósofo. Desconfio que a Geometria Euclidiana tenha sido invenção dele. E não só por ter o seu nome, como também os postulados. Dois deles se tornaram axiomas para mim: o primeiro, “pra quem sabe tudo é fácil” e o segundo, “se é pra fazer, que faça bem feito”. A partir deles vários corolários foram se desenvolvendo, servindo como balizadores na minha condução.

O lugar favorito dele, diferente daquela personagem de Aline Bei, não estava no passado. O tempo presente Drummondniano era o seu tempo. Ao participar de uma conversa em que alguém argumentava com “no meu tempo”, ou “tempo bom era aquele”, se apressava em dizer, “tempo bom é o de hoje”. E tinha sempre alguma explicação comparativa entre o que acontecia no passado e hoje, para confirmar a sua opinião.

Uma das suas favoritas vinha da área médica. Sofrera um acidente, quando se dirigia a Salvador para se juntar às forças expedicionárias que combateriam na segunda guerra, que o fez passar por uma cirurgia de emergência. Na época a sedação era feita com o uso de clorofórmio deixando a pessoa nocauteada com o cheiro, fora o risco de morte por arritmia e insuficiência respiratória. E completava, hoje você está “tirando prosa” com o anestesista e, quando menos espera, da forma mais suave possível, já está dormindo. Daí a sua conclusão, tempo bom é hoje.

Com essa lembrança fui desenrolando coisas relativas ao uso do dinheiro e as facilidades que o tempo vai trazendo. No princípio eram as notas. Pra todo canto que se ia carregava um bolo delas. A pergunta “aceita cheque?” convivia nesse modelo. O cartão reinou por um longo tempo, mesmo com as limitações na recusa de recebimento. E aí inventaram o Pix, tornando o andar com “dinheiro vivo” no bolso, coisa do passado. Todo mundo tem, todo mundo aceita, afinal é grana na hora, na conta de quem recebe. Até a desculpa “estou sem um trocado pra lhe dar agora”, não cola mais. Todos têm uma chave de Pix, variando do vendedor de coco ao flanelinha que está guardando o seu carro. Novos e bons tempos.

A descoberta recente e que bate com o que Seu Euclides pensava, vem da declaração do imposto de renda. Os mais vividos, assim como eu, devem se lembrar de como eram feitas essas declarações, os documentos que precisavam ser anexados, o monte de papeis a serem preenchidos e toda essa papelada guardada por longo tempo. Além, claro, da dependência que se tinha de um contador, ou de uma pessoa entendida no assunto, que no meu caso era uma amiga querida que, por mais de dez anos, cuidou das minhas contas com o leão.

Fiquei sabendo da existência de um programa disponibilizado pela Receita Federal, que já traz a declaração pré-prenchida, lá constando todas as informações que antes a pessoa teria que ir buscar, em locais vários, para inserir nos formulários. Ou seja, qualquer operação útil para a receita que tenha passado pelo CPF de alguém, está lá registrada, sem ter como fugir dos big brothers Orwellianos.

Alguém pode até reclamar de invasão de privacidade, mesmo a Lei já tendo determinado que “a César, o que é de César”. Mas convenhamos, pra quem faz tudo nos conformes, sem brincar de gato e rato com a Receita, com todas as facilidades e autonomia que os programas permitem, tempo bom pra declarar imposto de renda é hoje. O que farão com o arrecadado já é outra história...

Fleal
Enviado por Fleal em 17/05/2022
Reeditado em 17/05/2022
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