Receita contra as entrevistas cretinas
Sempre me perguntei por que uma pessoa se dispõe a cursar uma faculdade de jornalismo, receber um diploma universitário, conquistar uma vaga de repórter nos noticiários televisivos, onde se ocupa de míseros segundos complementares de uma matéria jornalística, para escolher - dentre tantas perguntas inteligentes, críticas e reflexivas -, as perguntas mais cretinas. É isso mesmo. Basta acompanhar as notícias desgracentas. E lá está a matéria sobre o assaltante que matou cruelmente um jovem cidadão de bem. O repórter chegará para os pais e perguntará: “Como vocês se sentem?”. Isso me revolta. Bem que os pais poderiam ser tão cretinos quanto o repórter e responder: “Estamos muito felizes! Não víamos a hora disso acontecer!”. Ou, após a óbvia pergunta seguinte - “O que vocês esperam, agora?” -, ao invés de responderem obviamente: “Agora eu só quero que seja feita a justiça, né”, eles poderiam dizer: “Eu espero que você faça perguntas menos idiotas das próximas vezes!”. Seria uma ótima resposta. Como uma que eu tive o prazer de assistir dia desses. Uma senhora de quase oitenta anos havia cruzado a nado um rio de dois quilômetros, e a repórter a aguardava na outra margem para se utilizar de seus cinco segundos e perguntar: “E aí? Conseguiu?”. A senhora lhe respondeu: “Ué! Claro! Eu não estou aqui?!”. Achei hilário, e justo, um exemplo verdadeiro de cidadania, enfim uma resposta inteligente frente a uma pergunta imbecil. Aliás, sou a favor de que sejam divulgadas sugestões de respostas para essas reportagens, a fim de que a população se conscientize e responda à altura da hipocrisia midiática.
Neste sentido, no caso de uma reportagem sobre uma enchente que tivesse deixado dezenas de pessoas desabrigadas, sem qualquer provisão, em um bairro de periferia, se o repórter se utilizasse da velha pergunta canalha de sempre - “E agora? O que você vai fazer?” -, o desafortunado, ao invés de dizer “Agora Deus é que sabe, né...”, poderia responder: “Agora eu vou estudar comunicação, fundar uma faculdade de jornalismo e me candidatar a uma vaga de diretor de jornalismo em uma rede de televisão para proibir que os repórteres continuem fazendo perguntas idiotas como essa que vocês sempre fazem!”. Mais um ótimo aproveitamento e respeito aos seus ralos segundos de publicidade. Seria um excelente índice de reação ao cinismo televisivo.