O HOMEM-LOJA

O homem-loja seguia pelas calçadas amplas do terminal. Pernas finas, fininhas, dois cambitos cinzentos descendo de um bermudão. A camisa branca, fubenta. Os braços, dois canudinhos. Usava um boné bad-boy puído. Tudo feio e triste. Ou seria tudo belo e alegre no homem-loja?

Corria à cata de fregueses de pernas finas e fubentas. O homem-loja atravessou a avenida por onde os ônibus chegavam roncando, carregando o progresso dos empresários e dos industriais. Temia que algum louco do volante atropelasse fatalmente seus sonhos de inclusão social. Na verdade, o maior sonho do homem-loja era engrossar as pernas e os braços em formas atléticas, bem definidas _estufar o peito. Mas, tomando geladinho de água com açúcar e almoçando acarajé nos terminais rodoviários, quase não tinha chances.

O homem-loja com seus sonhos trabalhistas no mostruário pendurado no ombro seco, descendo pelo lado direito, arranhando-lhe a axila e a canela cinzenta.

As cores dos produtos expostos ajudavam, valorizavam o material. Um carnaval em rosa, lilás, verde-limão, amarelo-mostarda. Tons da moda na televisão, nas novelas. Artigos modernos, usados por top-models e pelos personagens de sucesso na novela das oito que começa às nove. Capas transparentes e carcaças, tudo para a qualidade de vida do seu celular. Óculos Reibandidos, bonés Fernandinho Beira-mangue, chaveiros Ronaldinho Ferrari, isqueiros, brincos de miçangas, pulseiras, xuxinhas, gargantilhas, alças de sutiã siliconadas, suportes para óculos. Dispunha de toda uma variedade.

O homem-loja cabia em qualquer espaço. Comércio informal, não pagaria imposto. Quando o fiscal aparecia, o rapaz agradecia a Deus por aquelas perninhas ótimas na fuga.Nesses momentos sonhava ganhar os louros da vitória em maratona na Grécia olímpica.

Neste momento passam perguntas na minha mente: Será que um governante não se envergonha de perseguir homens-loja? De mandá-los para a cadeia? De cercear a sua liberdade de ir-e-vir? De cobrar deles o lucro de seu empreendimento dependurado em uma folha de isopor? Será?

O homem-loja seguia com um olhar sonhador. Nunca ele saberá desta crônica. Quem era Ele? Qual seu nome? Seu endereço? Uma criatura tão importante quanto a ovelha desgarrada, mais importante de que todas as excelências.

Trânsito livre. O guardinha liberava e os veículos se adiantavam apressados, barulhentos.

Encostei bem o lado direito do rosto no vidro da janela tentando aproveitar um pouco mais daquela figura. A última cena foi a do homem-loja curvando-se para salvar, na lama da calçada, uma piranha vermelha que escapara do seu estabelecimento de comerciante autônomo de ilusões.