Terça-feira gorda


Não houve nem sombra de terça-feira gorda neste lado da estação de Marechal Hermes. Para que não digam que estou exagerando, vi um bate-bola muito desanimado no ponto de ônibus próximo ao Teatro Armando Gonzaga, com a máscara de pano puxada para o alto da cabeça e a bexiga murcha. Como eu ia passando, ainda assoviei a marchinha "Índio quer apito" para ver se o desconsolado folião dava uns pulinhos sem compromisso, mas não funcionou.

Com o comércio de portas arriadas por aqui, seis horas da tarde, a dolorosa impressão de bairro-fantasma era atenuada apenas pela presença de um grupo de mendigos no jardim defronte à igreja católica e um casal de namorados num banco da praça.

Curioso.

Um casal de namoradas todo mundo entende, são duas mulheres que se amam. Mas como, em nossos dias, dizer um casal de namorados sem cair na ambigüidade?

Se um estivesse de pierrô e o outro de colombina, teriam certamente resolvido o falso problema do cronista palpiteiro, em seus devaneios rousseaunianos de passeador solitário. Mas a grande verdade é que homossexuais saudavelmente assumidos têm horror a essa divisão de papéis ditada ou sonhada, em última instância, pelo preconceito burguês (de esquerda ou de direita, como queiram).

Reparei que os mendigos ali perto — homens, mulheres e crianças — estavam se divertindo um bocado com o namoro dos dois; os mais embriagados faziam cara de nojo, para em seguida explodir numa gargalhada. Ou prorrompiam numa grande vaia sempre que o par romântico entregava-se a um longo e esfomeado beijo de língua.

Mas estes logo se cansaram da platéia inconveniente, e foram embora assim que um microônibus apontou à esquina da rua Gravatá.

Segui meu caminho. Aqui em casa pelo menos estava mais animado, com minha mãe cuidando de uma coisa ou outra na cozinha e levando à capela os sambas-enredo da Vila Isabel ou, para agradar ao filho cronista, do Império Serrano:

        Imperiano de fé não cansa,
        confia na lança do Santo Guerreiro...

Evoé!


[28.2.2006]