Pandemia parece profecia
 
Podemos especular ser essa pandemia como fruto de uma vontade divina ou de uma inteligência natural, ambas alheias ao conhecimento humano. Uma tentativa de nos dar uma lição ou castigo: nos fazer aprender que o mundo do dinheiro, da desigualdade e do egoísmo está errado ou uma tentativa de salvar a natureza e o planeta de sua maior praga, o homem. São leituras, metaforicamente, possíveis.

Em dezembro de 2019 o mundo assistia a epidemia surgir na China, com a possibilidade – depois confirmada – de vir a se tornar uma pandemia, conforme epidemiologistas e OMS vaticinavam. Aliás, os cientistas não vêm errando nenhuma previsão, embora sendo subestimados e até tratados com desprezo por aqueles que defendem intransigentemente a prioridade econômica contra medidas sociais de proteção epidemiológica. Os cientistas são como Cassandra de Tróia e Jeremias de Jerusalém, profetas da desgraça que, mesmo maltratados e descreditados, tinham razão. Os cientistas, bem sabemos, também tem razão em seus prognósticos que, vimos ao longo de 2019, 2020 e 2021, estavam corretos.

Errados estavam os que subestimaram ou minimizaram o problema devido a interesses políticos, econômicos, ideológicos ou até mesmo, pasmem, religiosos. Talvez o grande exemplo de todo esse absurdo negacionista foi o do empresário aquele que, no início da pandemia em 2020, disse que não poderíamos parat o Brasil só por causa de 5 ou 7 mil pessoas que morreriam. Fora o absurdo de se descartar a vida de milhares de pessoas como se pouca coisa fossem, o tal estava claramente falando do que não sabia e sendo desgraçadamente infeliz e pedante, pois já ultrapassamos as 600 mil vítimas fatais oficiais no Brasil. E ressalto esse “oficiais” porque, conforme a OMS, a Fiocruz e a Universidade de Oxford, a subnotificação de óbitos no Brasil é de cerca de 45%. Logo, o microbiologista Átila Iamarino acertou seu aviso de que teríamos um milhão de mortos, número extraoficial ao qual chegamos.

E Iamarino, inclusive, foi justamente chamado de Cassandra por um de seus detratores negacionistas, tendo esquecido esse de que a profetiza troiana acertara sua profecia. E, assim como Iamarino, Cassandra e Jeremias, o ministro e médico Mandetta também acertou sua previsão de que a pandemia arrefeceria no país entre setembro e outubro de 2020 e fecharia o ano com aproximadamente 100 mil vítimas. Tivesse permanecido no Ministério da Saúde, certamente 2021 teria sido de paz sanitária, mas o governo negacionista preferiu colocar um general na pasta, PAZuello, e deu no que vimos: tivemos um caos de guerra com centenas de milhares de baixas, total conflito na saúde pública, até oxigênio faltou nos hospitais.

Em novembro de 2020 começaram as flexibilizações e liberalizações e, após às festas de dezembro e as aglomerações que estas causaram, os índices voltaram a subir em janeiro e explodiram vertiginosamente em março e abril. Assim, nova lição ignorada, novo castigo e nova profecia confirmadas, eis que em 2021 tivemos 80% das mortes de toda a pandemia. Os cientistas, mais uma vez, avisaram e não foram escutados. Agora, novembro/dezembro de 2021, temos a quarta onda na Europa e a variante Ômicron africana, ou seja, mesmo onde havia um percentual de quase 70% ou mais de imunização completa – duas doses - e, paradoxalmente, onde a imunização ainda é muito pouca, a pandemia voltou a crescer. Os cientistas haviam alertado sobre as duas coisas: com a transmissível variante Delta predominando, a imunização completa deve estar na casa dos 90%; em países com pouca cobertura vacinal, o vírus circularia bastante e uma nova variante, mais perigosa, poderia surgir.

Os epidemiologistas, como o gaúcho Pedro Hallal, hoje dizem que a nova variante não deve ultrapassar a barreira das vacinas existentes, o que, caso aconteça, nos levará a uma estaca zero nesta pandemia. Também, que o alto índice de vacinação no Brasil, onde, apesar dos negacionistas nos governos e fora deles, deve-se chegar aos 90% da população, tende a evitar uma nova onda em nosso país. Todavia, com as aulas presenciais voltando sem as crianças estarem vacinadas, estádios de futebol lotados sem o público jovem que o frequenta estar num índice vacinal satisfatório, templos religiosos, espaços para shows e casas noturnas liberadas, o melhor é que nossos profetas cientistas estejam corretos, a fim de que os presságios de dezembro novamente não virem tormenta no início de 2022.

Assim, ouçam o que os profetas dizem: fiquem em casa, evitem aglomeração, usem máscara e se vacinem. Ou a praga recrudescerá e a desgraça novamente se abaterá sobre nós, como lição ou como castigo.