Demagogo quem... Eu?
Quando minha irmã caçula queria algo da minha mãe, ela costumava formular uns discursos teatrais, longos e extremamente irritantes. Um dia, cansada de suas cenas, pedi que ela deixasse de ser demagoga e como ela se calou imediatamente, acreditei que a tinha feito perceber que sua atitude não era correta.
No dia seguinte, estávamos numa reunião de família e após observar uma tia discursar de maneira inflamada, minha irmã interrompeu-a com a pergunta: - Tia, você sabe o que é uma demagoga? - Seguiu-se à cena um silêncio sepulcral e a tia, perdeu até o rumo da conversa.
Levei a caçula para um canto e questionei o que havia lhe passado pela cabeça para chamar a tia de demagoga no meio de toda a gente e ela, muito inocente, respondeu: - Eu não chamei não! É que eu tô tentando descobrir desde ontem, do que foi que você me xingou, e a tia falando daquele jeito parecia tão inteligente que eu perguntei.
Percebi então, que o problema não está no que a demagogia representa em si, mas naquilo de que ela se reveste, de que se camufla, pois para as pessoas inocentes e crédulas passa-se facilmente por outra coisa.
No caso da caçula, era só demagogia disfarçada no papel de vítima o que, apesar de me incomodar muito, venho presenciando constantemente ao longo dos anos. Algumas pessoas parecem ter tanto medo que os outros percebam que elas estão “numa boa”, e acabem tendo que dividir um pouco do seu conforto, que se você olha para essas pessoas sorrindo, elas já adquirem uma expressão consternada. Daí você pergunta se está tudo bem e a frase é sempre a mesma: - Ah! Indo... A vida está muito difícil né – E você tem que fazer um esforço para não rir, pois a vida da pessoa é um pudim de tão mole.
É muito comum a demagogia se fantasiar de defensora da moral e dos bons costumes. Havia uma senhora distinta que corria o terço todos os dias com uma presteza e com tamanha rapidez, que nem o trem bala japonês a alcançava. Era muito engraçado, pois assim que ela acaba as orações vinha correndo e dizia: - Nossa! Estava ali lembrando de uma coisa que eu soube do fulano... – E assim passava a destilar seu veneno falando, por horas, da vida alheia. Agora eu pergunto: como pode alguém ser demagogo com Deus?! Será que ela acreditava que Deus é algum tipo de tolo que ela podia enganar com sua ladainha vazia e sem sinceridade?
A demagogia às vezes, também se veste de defensora das minorias, batendo nas costas dos simplórios cheia de sorrisos para no íntimo, ter horror de “gentinha”. Solidário à causa do pobre? Balela! A única causa a qual o demagogo é solidário é a sua própria.
Mas para mim, a pior roupa que a demagogia pode vestir é a da caridade, que algumas pessoas praticam com o intuito de fazer marketing pessoal. E olhem que isso não é coisa somente de político não, tem muita gente por aí, que motivada não sei pelo quê, necessita fazer papel de bonzinho perante a sociedade, com a devida propaganda é claro.
Quem pensa que me convence com esses exemplos de comportamento, está redondamente enganado. Sinto cheiro de demagogia e hipocrisia à distância.
Mas voltando à irmã caçula, depois desse episódio ela ficou tão encantada com a palavra demagogia, que a usava o tempo todo. Até que certo dia a ouvi cantarolar a musica do Cazuza que na época, estava fazendo sucesso nas rádios. Mas parecia que algo estava errado. Cheguei mais perto, e ela cantava empolgada: - Demagogia! Eu quero uma pra viver...
Bem, tive que sentar novamente a caçula e explicar para ela o que era ideologia, mas confesso a vocês que me senti tentada a levar a pirralha na porta da Câmara e deixá-la lá cantando, já que parece que tal refrão seria o bordão ideal para muita gente, principalmente as inseridas no contexto político.