O tempo de cada coisa
 
     “... eu fico sentada na varanda, fazendo meu crochê. O gato fica do lado fazendo companhia...” A cena bucólica, provinda da varanda de uma velha casa, foi descrita pela senhora que visitei dias atrás. Para ela foi o simples relato de algo rotineiro em seus fins de tarde, dito gratuitamente, em meio a uma agradável combinação de que desfrutávamos: conversa, café e cuca. Mas meus ouvidos escutaram muito mais, meus olhos miraram mais longe, meu interior contemplou uma octogenária vida e todas as lembranças e histórias, dores e alegrias, provações e prazeres que ela já possa ter experimentado. Lembrei-me de Cora Coralina, que aqui deixo registrada: “O que mais se pode na vida desejar?.../ Sentada na margem do caminho percorrido,/ ver os que passam, ansiosos, correndo, tropeçando./ E dizer baixinho:/ corri tanto quanto você./ E você se quedará, um dia, como eu.”

     Nós, mais jovens, comumente afoitos em tudo, desaprendemos o valor da contemplação, descuidamos de salvaguardar a poesia da vida, ignoramos o quão saudável é ouvir quem a muito mais tempo caminha por sobre esta terra e conhece mais estradas do que a gente. Sim, iremos tropeçar e quedar uma, duas, três, dezenas de vezes até aprendermos alguma coisa – profetiza nossa poeta. Somos um fruto que amadurece muito lentamente – é a lei da natureza que nos molda. No universo do humano, muito do que se dá de maneira precoce, acarreta complicações. E como é difícil saber o tempo certo das coisas! Como é difícil esperar o tempo certo de tudo! Maldito tempo este do imediatismo no qual mergulhados, mal respiramos.

     Houve um tempo em que as lições da vida eram aprendidas à beira do fogo, em rodas de conversas, ou à mesa, rodeada de parentes. Experiências cada vez mais raras ante a concorrência tecnológica que dispensa o fogo e a mesa, bastando um clic para que a tela responda, ensine, demonstre. É aqui que a descoberta do tempo necessário, das demoras educadoras, dos prazeres que se alongam, é boicotado pela maléfica pressa – alvissareira de prejuízos a longo prazo, pois a vida cobrará os seus tempos que, sendo mal geridos, resultarão em graves prejuízos. A Sagrada Escritura ensina assim: “Pergunta e teu pai te contará, interroga os anciãos e eles te dirão” (Dt 32, 7), ao passo que hoje se escuta: procura no Google. Percebes a distância? Reconheces a perda? Enxergas o perigo?

     A varanda do início de nossa conversa é metáfora contra todo o supérfluo que nos desnutre. Aquela varanda é um grito, cada vez mais estridente, da vida mesma pedindo mais tempo, mais diálogo, mais escuta, mais estórias. É a varanda de Lenine que poetiza em verso e canção esse movimento vital, seus paradoxos e suas necessidades:

     “Mesmo quando tudo pede
     Um pouco mais de calma
     Até quando o corpo pede
     Um pouco mais de alma
     A vida não para.
     Enquanto o tempo acelera
     E pede pressa
     Eu me recuso, faço hora
     Vou na valsa.
     A vida é tão rara.
     Enquanto todo mundo espera a cura do mal
     E a loucura finge que isso tudo é normal
     Eu finjo ter paciência.
     O mundo vai girando cada vez mais veloz
     A gente espera do mundo e o mundo espera de nós
     Um pouco mais de paciência.
     Será que é tempo que lhe falta pra perceber?
     Será que temos esse tempo pra perder?
     E quem quer saber
     A vida é tão rara, tão rara.
     Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma
     Mesmo quando o corpo pede um pouco mais de alma
     Eu sei,
     A vida não para.